Queda de braço

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Rachel Sheherazade: "Assim como no caso da criminalização da homofobia, o Legislativo teve todo o tempo para se debruçar sobre a questão das drogas e não o fez" (Crédito: Divulgação)

Por Rachel Sheherazade

O Senado Federal aprovou uma PEC que criminaliza o porte e a posse de qualquer quantidade de drogas. O projeto, ultraconservador, é de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e foi aprovado em dois turnos com ampla maioria de votos.

Por ser uma proposta que reformula a Constituição, a PEC segue para a Câmara dos Deputados. O projeto de Pacheco está sendo considerado uma afronta ao Supremo Tribunal Federal, que aprecia um recurso sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei das Drogas.

O dispositivo tornou impossível determinar de maneira isonômica quem é usuário e quem é traficante, pois não estabelece uma quantidade mensurável da droga para que agentes da Lei possam distinguir o que caracteriza uso e porte para comercialização.

O advento da lei vem gerando decisões controversas e injustas, muitas vezes baseadas em estereótipos sociais e econômicos, levando ao encarceramento de indivíduos pobres, pretos e pardos considerados, via de regra, traficantes, merecedores de prisão, enquanto brancos economicamente privilegiados são considerados usuários e poupados do cárcere.

Há um mês, Pacheco disse que aguardaria a decisão do STF sobre o assunto para fazer tramitar seu projeto de lei, mas voltou atrás e preferiu a queda de braço com o Judiciário, numa evidente jogada política pelo protagonismo da chamada pauta de costumes.

Fato é que, assim como no caso da criminalização da homofobia, o Legislativo teve todo o tempo para se debruçar sobre a questão das drogas e não o fez.

Por que só agora? Agora que o assunto volta à pauta ganhando as manchetes dos jornais e o foco dos debates talvez seja o momento oportuno para o proselitismo, que costuma gerar bons dividendos políticos.

Enquanto tenta impor uma pauta de costumes ultrapassada e excessivamente moralista, o Brasil reacionário está perdendo a luta contra as drogas.

O caminho do punitivismo entulhou o sistema prisional de usuários, promove a violência nas comunidades pobres, decretando guerra contra os pequenos traficantes enquanto os grandes cartéis de drogas seguem sem ser importunados, lucrando enormemente e expandindo seus negócios muito além das favelas brasileiras.

Ao fim e ao cabo, o interesse dos políticos não está voltado à saúde pública. Se assim o fosse, já teriam equiparado álcool e cigarro, drogas legalizadas e socialmente aceitas, a outras de menor potencial ofensivo como a maconha, que ainda possui um forte estigma.

Estudos científicos cansaram de demonstrar o poder viciante do álcool, suas consequências danosas ao organismo humano e seus desdobramentos na convivência social, como aumento da violência doméstica e acidentes de automóveis, que geram grandes tragédias para além do usuário.