Espiões 5.0: agentes secretos voltam a atiçar a geopolítica internacional
Detenções de agentes acusados de espionagem crescem no Brasil e na Europa desde a invasão na Ucrânia, em 2022. A maioria dos suspeitos estaria a serviço da Rússia e da China

O russo Sergey Cherkasov, que se passava por Victor Ferreira, segue preso no Brasil. (Crédito: Divulgação )
Por Denise Mirás
Sean Connery, ator escocês que primeiro levou James Bond, o agente 007, às telas de cinema, representou magnificamente a imagem romântica de um espião na Guerra Fria “a serviço de Sua Majestade” — no caso, a Rainha Elizabeth II. As décadas se passaram, o mundo viveu uma relativa calmaria a partir dos anos 1980, mas agora a geopolítica se vê à beira de uma Guerra Fria remodelada e chamada de “5.0”, com o acirramento de disputas que surgiram a partir da invasão da Ucrânia, pela Rússia, em 2022. Os espiões de verdade voltaram a pipocar nos bastidores do poder, visto o crescente número de agentes desmascarados, detidos e julgados por serviços de inteligência de vários países — ou que simplesmente evaporaram por conta própria.
Com população miscigenada e fama de lugar fácil para obter documentos falsos, o Brasil virou meca para espiões — com passaporte dos mais cobiçados por escroques internacionais e serviços de inteligência de vários países.
Aqui, a partir de 2022, pelo menos quatro russos foram descobertos e acusados de ações de espionagem nos EUA, Noruega e Irlanda. O último deles, revelado neste mês e chamado de volta a seu país, é Sergey Alexandrovitch Chumilov, funcionário da embaixada em Brasília que, segundo a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), trabalhava recrutando informantes locais.
Por aqui ainda circularam Sergey Vladimirovich Cherkasov, Mikhail Mikushin e Shmyrev (de primeiro nome desconhecido), identificados, respectivamente, como Victor Muller Ferreira, José Assis Giammaria e Gerhard Daniel Campos Wittich.

Cherkasov é apontado por holandeses, americanos e brasileiros como espião.
• Vigiado pelo FBI, cursou pós-graduação nos EUA sob o nome de Victor, um “brasileiro”.
• Foi detido ao desembarcar em Amsterdã, na Holanda — pretendia fazer estágio no Tribunal Penal Internacional, em Haia, que julga crimes de guerra — e mandado de volta ao Brasil em 2022.
• Desde então, sua extradição foi reivindicada por EUA e Rússia, mas ele segue preso no Brasil, investigado por lavagem de dinheiro.
Mikushin conseguiu uma certidão de nascimento falsa, como “José”, no interior de Goiás.
• Passou pelo Canadá.
• Em 2022 foi preso na Noruega, nação que faz fronteira com a Rússia, disfarçado de pesquisador da Universidade do Ártico.
Shmyrev teria se tornado Gerhard Daniel Campos Wittich com documentos obtidos no Rio de Janeiro.
• Fugiu do Rio em 2023 depois de ter seu desaparecimento divulgado pela namorada.
• Ele já seria casado com outra espiã, Irina Romanova, ou Irina Alexandrovna Smireva, residente em Atenas (mas que também andou pelo Brasil) e identificada pelo serviço de inteligência grego como a russa Maria Tsalla.
• Ela acessaria dados de gregos falecidos para obter documentos — um método que remonta aos tempos soviéticos. Os dois teriam fugido juntos.
Onda chinesa
Na Áustria, que é vista como ninho de espiões desde a Segunda Guerra, foi preso em março Egisto Ott, acusado de trabalhar para a Rússia.
Alemanha e Reino Unido também estão no foco, mas da China. Três cidadãos alemães (Thomas R., mais o casal Herwig F. e Ina F.) vão a julgamento por repassar tecnologia com potencial militar aos chineses desde 2022.
Já os britânicos detiveram Christopher Berry e Christopher Cash, também por fornecer informações aos asiáticos, a partir de 2021.
Todos são suspeitos clássicos, no modelo dos antigos agentes secretos da União Soviética, estereótipos que ficaram famosos na literatura e no cinema. É o sujeito que forma novos laços familiares, adota outra profissão, muda de rosto e de personalidade — Cherkasov chegou a fazer aulas de forró em São Paulo.
Estão no radar de polícias e agências de todo o mundo. Desde a invasão na Ucrânia, em 2022, estima-se que cerca de 600 oficiais teriam sido expulsos de embaixadas em toda a Europa.
Mata Hari: o glamour da agente secreta
Holandesa deslumbrava por sua beleza e trabalhou disfarçada de dançarina

Exótica e libertária, Margaretha Gertruida Zelle (acima), nascida na Holanda, em 1876, foi responsável por colocar a espionagem em um patamar de glamour, bem explorado pela literatura e pelo cinema.
Ela, a ousada Mata Hari (nome artístico que viria do malaio e significaria “Sol”, ou “Olho do Dia”), saiu de casa ainda adolescente. Aos 19 anos, estava casada com o capitão Rudolf MacLeod e de mudança para Java. Ali, teria se aprimorado em danças e técnicas sexuais orientais ousadas que, na volta à Europa e de encontro a vários amantes, lhe valeriam como fachada na Primeira Guerra Mundial.
A fama de cortesã de luxo encobria a espionagem que faria, a soldo, para vários países — como Alemanha, Prússia, França e, novamente, Alemanha. Aos 41 anos e acusada de traição, acabou executada em 1917, por um pelotão de fuzilamento na França.