Editorial

Desavenças sem fim

Crédito: Lula Marques/Agência Brasil

Carlos José Marques: "A articulação de Lira vai muito além do mero jogo político" (Crédito: Lula Marques/Agência Brasil)

Por Carlos José Marques

A guerra que se instaurou em Brasília entre os Três Poderes tem tudo para levar o País a perder (e muito!), especialmente pelas consequências do que pode ser entendido como mera vingança de um ardiloso artífice do caos, que não para de bolar maneiras para angariar mais e mais poder. Seu nome é Arthur Lira, ainda presidente da Câmara dos Deputados, prestes a perder o cargo e que, por isso mesmo, parece disposto a medir forças com quem quer que seja para, digamos, vingar o seu crepúsculo. Elegeu para “Cristo” o ministro das Relações Institucionais do governo, Alexandre Padilha. Tudo porque identificou nele um pseudo sabotador de suas ambições territoriais na máquina pública. O diálogo entre o Legislativo e o Executivo travou. Vieram as chamadas pautas-bomba, a ameaça de CPIs sem pé nem cabeça e a cobrança de novos agrados oficiais. O presidente Lula chamou Lira para um convescote e saiu de lá dizendo que estava tudo bem. Não está nada bem. Lira não engole desaforos e não arreda pé de seus sonhos grandiloquentes. Depois de se referir a Padilha como “desafeto pessoal” e “incompetente”, atuou nos bastidores para reacender a oposição e foi catar mais dinheiro no já combalido orçamento público. A vingança a galope, submetendo uma Nação inteira aos seus caprichos, inclui ao menos oito CPIs e a interferência nos entendimentos da base aliada petista com os demais parlamentares — alimentando intrigas e um trabalho de convencimento para que esses votem contrários às aspirações federais. A articulação de Lira vai muito além do mero jogo político. Sua interferência pode atravessar a fronteira do lícito, misturando fisiologismo no balaio das autarquias e isolamento de simpatizantes de Lula no Congresso. Diabolicamente, Lira planeja o próximo golpe. Sempre buscou atuar como se fosse de fato e direito uma espécie de primeiro-ministro. Na ofensiva desvairada, busca cooptar aliados. Esteve por esses dias com o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, e com o titular da pasta da Casa Civil, Rui Costa. Nos dois casos posou de vítima, lastimando o que considera um abandono governamental no “relacionamento”. Na retaliação direta a atual gestão pretende liberar para votação o pacote anti-invasão de terras. E o que é pior: fez de tudo para instaurar a farra na gastança desmedida. As emendas orçamentárias estão demolindo a saúde das finanças públicas de forma irremediável. Numa afronta a sociedade como um todo, os projetos patrocinados por políticos dentro do caixa da União atingiram valores imorais e Lira está à frente do pelotão de choque que capitaneia tal investida. Para além dele, seu colega de Congresso, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, trava uma briguinha particular com o STF. Acaba de aprovar em votação relâmpago um desatino jurídico criminalizando todo e qualquer uso de droga, sem critério algum, na forma de emenda constitucional, depois de o Supremo ter deliberado o contrário. De uma forma ou de outra, a rinha entre os poderes atingiu uma escala inaceitável. Do sequestro financeiro à disputa por espaço no cenário nacional, ao arrepio da Lei, o triunvirato de comando brasileiro perdeu totalmente o senso e tal anomalia precisa ser tratada o quanto antes. Está vigorando o princípio da vingança nessa medição de forças e os choques de cabeça incluem até mesmo figuras internas, ministros, alimentando o clima de incertezas sobre os rumos a tomar. Há, claramente, um mau clima instaurado, a tal ponto que o mandatário Lula resolveu convocar toda a equipe e passar um “pito” geral, sobrando até para os mais graduados como o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a quem o demiurgo de Garanhuns cobrou uma articulação mais firme junto a deputados e senadores. Haddad não gostou e reagiu, respondendo que não faz outra coisa na vida que não isso. Lula, por sua vez, mostra irritação e mau humor com a queda de popularidade e, para variar, culpa todo mundo. A fúria legislativa, somada à desordem executiva e à tentativa de projeção midiática do Judiciário não geram boa receita. Ao contrário, a desavença assume proporções graves que podem levar a um colapso do sistema, deixando os brasileiros à mercê do imponderável. Ninguém quer isso, mas muitos trabalham no momento nessa direção.