A Semana

A população indígena novamente abandonada

Crédito: Simone Giovine-Associação Floresta Protegida

Indígenas da etnia Munduruku: cem aldeias que podem ser dominadas por traficantes (Crédito: Simone Giovine-Associação Floresta Protegida)

Por Antonio Carlos Prado

Eis uma notícia que não promete alvíssaras. Ao contrário, com certeza virão problemas. O Brasil começa a ter um novo polo do agora denominado narcogarimpo, ou seja, nada mais nada menos que traficantes de armas, drogas e minerais precisosos que exploram de forma predatória e ilícita o garimpo. O mais recente epicentro dessa atividade é na ampla região paraense do Vale do Tapajós. As mesmas calamidades que são vistas na exploração ilegal das terras dos indígenas Yanomami, localizadas em Roraima, começam a se repetir no Pará: crises sociais, cultuais, ambientais e de saúde. A decorrência inevitável de tudo isso é a degradação de cidades próximas ao garimpo, a exemplo de Jacareacanga e Itaituba. Nelas, sempre existiu o extrativismo legal. A situação está mudando: o pedaço da Amazônia que abrange Mato Grosso e Amazonas está sendo explorado por traficantes. A gestão Bolsonaro foi cruel com a população indígena. O presidente Lula, acertadamente, decretou estado de emergência na proteção dessa população, mas a coisa parou aí: troca de farpas entre o ministério da Defesa e o dos Povos Indígenas impediu o combate efetivo ao garimpo ilegal.

CHINA
Os excluídos do trem de alta velocidade

Trens que são considerados os melhores em todo o mundo: vedados aos inadimplentes como execração pública (Crédito:Wan Xiang)

O governo da China, há tempo, costuma punir os cidadãos que estão inadimplentes com a proibição de eles prestarem exames em concursos para empregos públicos. Depois dessa medida, veio outra draconiana: o confisco do salário para quem não paga suas contas — ou seja, se a pessoa é honesta, mas está devendo porque atravessa algum momento difícil na vida, é claro que sem salário a situação torna-se mais difícil ainda. Trata-se de algo irracional. Agora o governo chinês chegou ao auge de sua obscurantista política que se desenrola também na área social, promovendo a segregação e o estigma. Quem estiver com dívidas, por menores que sejam, está proibido de comprar passagem no trem de alta velocidade — tem de se locomover em trens velhos e vagarosos. O governo também organizou um rol de devedores. Essa lista é aberta publicamente na mais concreta manifestação de política de Estado de execração e massacre da individualidade.

Trens de alta velocidade em Pequim e Xangai chegam a desenvolver entre 431 quilômetros e 600 quilômetros por hora

PORTUGAL
Grândola, Vila Morena

Brasil, 25 de Abril de 2024, lembrando o meio século de Portugal, 25 de abril de 1974. Quando as emissoras de rádio colocaram no ar a música “Grândola, Vila Morena” (autoria de José Afonso), a senha estava dada: no momento em que a letra chegasse ao trecho “é o povo quem mais ordena”, militares do Exército, da Marinha e Aeronáutica, em sua maioria capitães, sairiam dos quartéis e lotariam de tanques de guerra as ruas do país. E assim se fez. A ditadura de mais de quatro décadas (1932-1974) de António de Oliveira Salazar passou a ter os minutos contados. As Forças Armadas pediram para a população se manter em casa. Em vão, e aí veio o fato que marcou o mundo: pessoas foram às ruas, com cravos nas mãos, e com eles cobriram tanques. Introduziram-nos também no cano dos fuzis. A denominada Revolução dos Cravos enterrava com leveza e originalidade o fascismo salazarista. O tempo voou, e na história o voo do tempo faz muitas vezes com que atrocidades caiam na deslembrança. Na quinta-feira da semana passada, no entanto, a mídia de quase todo o planeta lembrou da queda de Salazar, um dos mais cruéis ditadores que já existiram. Após a sua derrubada, o Partido Socialista passou a governar. E lá se foi o tempo, com governantes de opostas ideologias se alternando no poder — hoje, assiste-se ao risco do retorno da extrema-direita com o crescimento da legenda Chega!. Em meio século cabem muitos tropeços políticos, e o primeiro deles tem de ser relembrado: não virou tombo por decisão do ex-presidente do Brasil Ernesto Geisel. Na Lisboa de 1975, o general António Spínola tentou dar um golpe. Perdeu, fugiu para a Espanha e depois veio para cá. Pediu ajuda aos militares brasileiros para derrubar a democracia portuguesa. Geisel, o ditador daqui, disse-lhe não.

A população portuguesa colocou cravos nos canos dos fuzis: confirmação da frase “o povo é quem mais ordena” (Crédito:Divulgação )