Editorial

Rumo a outra grande guerra?

Crédito: Atta Kenare/AFP

Carlos José Marques: "Na geoestratégia planetária, uma onda de embates em escala parece questão de tempo. E não deve demorar, caso nada seja feito já para detê-la" (Crédito: Atta Kenare/AFP)

Por Carlos José Marques

O caldeirão de conflitos no qual se transformou o Oriente Médio serve de alerta para o mundo. É quixotesco imaginar que em pleno século 21 nações e povos não consigam resolver suas diferenças por intermédio do diálogo. Complexos são os caminhos que nos levam à radicalização mais e mais. A nova investida do Irã sobre Israel tem de ser classificada como inaceitável, descabida e assombrosamente delimitadora de pesados desdobramentos internacionais, inaugurando uma fase ainda pior dos combates, que já se desenvolvem ali desde o covarde ataque do grupo terrorista Hamas. O Irã, desta feita, comete o erro, grave, de colocar por terra qualquer negociação de paz que vinha sendo tentada por interlocutores independentes. Do ponto de vista geopolítico, o que ocorre na região hoje precisa ser visto como propagador de ameaças em série pelo mundo. É imprescindível que uma resposta global, enfática, de repúdio a essa escalada seja organizada. Não há como países da estatura e representatividade do Brasil ficarem de fora desse movimento. Decerto causa espanto e até indignação a quase apatia da reação do governo Lula a um episódio de clara ofensiva e provocação. A pseudo neutralidade que caracteriza a diplomacia do Itamaraty há décadas não pode servir de escudo para esconder vieses de sugestivo apoio a afrontas dessa natureza. Não é cabível que autoridades daqui manifestem apenas “ter visto com preocupação” o ocorrido. Condenar com veemência seria o mais correto. Tamanha hesitação oficial se somou à bobagem insidiosa da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em visita dias atrás à China, de fazer comparações elogiosas do regime político adotado ali com o do Brasil e expressar uma quase simpatia por tanto descalabro. Em qual esfera desconectada da realidade estão vivendo figuras desse naipe? O que assombra na atual escalada de abusos é que não apenas o Brasil, mas muitos outros seguem, de certa forma, abrindo espaço para que aventuras militares totalitárias avancem, sinalizando, perigosamente, que uma terceira grande guerra venha a despontar no horizonte. O planeta vive tempos estranhos, de uma polarização bestial e sem sentido. As consequências, não apenas diplomáticas, assim como sociais, econômicas e políticas estão aí. Sistematicamente vem se falando de uma escalada que pressupõe o apocalipse como desfecho. A quem pode interessar tal alternativa? Nações e seus líderes parecem ter perdido a noção do perigo e o entendimento da real dimensão do que constroem de ameaças. A OTAN e a ONU como um todo continuam apáticas, quase insignificantes nas respostas, por culpa e interesse até mesmo de muitos de seus membros. Não há, definitivamente, quem leve a sério protestos mais eloquentes desses organismos. Até porque as punições são mínimas, quando não inexistentes. É preciso uma reformulação completa dos princípios e/ou do sistema multilateral. Ou alguém ainda acredita, rigorosamente, que, do jeito que está, o planeta sobreviva, caminhando para uma nova etapa de harmonia global? Essa ideia no momento não passa de quimera. Cometem-se erros de relacionamento em profusão. Interesses particulares de déspotas e sedentos de poder, sem qualquer controle, atrapalham ainda mais a via do entendimento. Regimes teocráticos, baseados em fé religiosa extremada, pipocam para todos os lados. Caudilhos e extremistas voltam a fazer sucesso, movidos por um populismo que engambela multidões afora. Na geoestratégia planetária, uma onda de embates em escala parece questão de tempo. E não deve demorar, caso nada seja feito já para detê-la. Pelas mãos de insanos fundamentalistas o mundo está sendo dominado, colocando em xeque a própria existência humana. Nada menos que isso vem sendo estampado aos nossos olhos. Negar pode soar conveniente, porém longe dos fatos. E se, de uma hora para outra, um desses agentes protagonistas de provocações resolver partir para o tudo ou nada de armas nucleares exterminadoras? Abundam motivos nesse sentido enquanto rareiam as vozes do equilíbrio e da sensatez. É mister, no momento, que a racionalidade contemporizadora prevaleça para evitar o pior. Erros de cálculo sobre os desdobramentos dos episódios em curso e até o habitual desprezo pelo assunto – como parecem expressar, caprichosamente, autoridades brasileiras – podem servir de gatilho para a destruição massiva sem volta. Punir culpados envolvidos e aplacar essa pororoca de confrontos é a única saída razoável se quisermos acalentar alguma chance de sobrevivência da espécie no futuro próximo.