O som das ruas é mau conselheiro

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Antonio Carlos Prado "Nas 'saidinhas', a maioria que vai para a rua é composta de jovens pobres e com delitos de baixo potencial ofensivo. Mas eles saem com o cabresto, imposto pelas facções, de furtarem e roubarem ('arrecadação')" (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

Há uma tradição nas duas Casas Legislativas brasileiras quando os mandatários têm de lidar com assuntos relacionados à segurança pública. O clamor popular, ao longo da história, já assentiu até com a lapidação e outros meios desumanos e cruéis de pena de morte (não fosse ela, por si só, cruel e desumana), ficando comprovada a irracionalidade: ódio inspira vingança, não a Justiça que se espera de uma civilização que seja de fato racional. Pois bem, apesar do passional clamor popular implicar raiva e ira quando ele se manifesta em questões criminais, a regra da esmagadora maioria de nossos parlamentares é a de extremo oportunismo: “Ouça-se o clamor popular”. Aqui há um ponto eticamente escorregadio: acata-se a gritaria das urbes porque não convém descontentar futuros possíveis eleitores.

Houve um tempo em que o Brasil vivia apavorado com sequestros. Foram poucos os deputados e senadores que se dispuseram a refletir. A maioria deles, atendendo ao que se berrava nos restaurantes estrelados ou nos botecos cheirando à fritura de óleo reutilizado, fez codificar a extorsão mediante sequestro como crime hediondo. É claro que sequestrador tem mesmo de ser duramente punido, quanto a isso não há dúvida. Mas os sequestros acabaram? Não. Ou seja: a providência legislativa de qualificar este e praticamente todos os delitos como hediondos não serviu para nada. A violência galopa.

Mitigar a violência é trabalho e não populismo. Exige luta pela democracia social

A situação se repete com a derrubada, mesmo relativizada pelo Legislativo após o sensato veto de Lula, da chamada “saidinha” dos presidiários em datas comemorativas. É legítima a indignação popular com o aumento da violência que esse direito (advindo em 1984 a significar avanço na Lei de Execução Penal) vem provocando, uma vez que os “saideiros” furtam, roubam, matam. Isso precisa ter fim, mas não o falso fim dado pelo Legislativo, fazendo média com a passionalidade acrítica.

Deveriam eles, mandatários, lutarem para que facções criminosas deixem de dominar os presídios. Nas “saidinhas”, a maioria que vai para a rua é composta de jovens pobres e com delitos de baixo potencial ofensivo. Mas eles saem com o cabresto, imposto pelas facções, de furtarem e roubarem (“arrecadação”). Se não cumprirem “a tarefa”, quando retornarem à cadeia serão punidos pelos “sintonias” – e se esses presos carentes não se juntam às facções, eles não têm sequer papel higiênico, porque o Estado é omisso. Presidiárias às vezes se valem de miolo de pão como absorvente.

Quer pasta de dente e sabão na cadeia? Cumpra as ordens das facções. Senhores parlamentares, mitigar a violência exige trabalho, não populismo. Exige luta pela democracia social.