Cultura

A incrível história do exército fantasma que enganou os nazistas

Filme conta a história do Ghost Army, divisão norte-americana criada para enganar as tropas de Hitler com tanques infláveis de borracha e atores no lugar de soldados

Crédito: Divulgação

Divisão do Ghost Army: blindados falsos e uniformes criados por estilistas (Crédito: Divulgação )

Por Felipe Machado

Apesar de ter sido um dos homens mais cruéis e poderosos de seu tempo, não foram poucas as vezes em que Adolf Hitler foi humilhado publicamente. Em 1936, diante do estádio olímpico lotado em Berlim, foi obrigado a ver Jesse Owens, um negro do Alabama, superar os atletas alemães que deveriam comprovar a supremacia ariana. Anos mais tarde, o fracasso foi bem pior: Joseph Stalin obrigou 60 mil prisioneiros de guerra a desfilar pelas ruas de Moscou na “Marcha dos Vencidos” — era uma resposta ao líder nazista, que havia prometido comemorar a vitória em plena capital soviética. Hitler, no entanto, não chegou a encarar o que seria seu maior vexame: morreu sem saber que ele e seus generais foram enganados por um exército fantasma, uma tropa americana de mentirinha feita de tanques infláveis de borracha, uniformes inventados e som de artilharia reproduzido por caixas de som.

É uma história tão incrível que seu sigilo foi mantido durante décadas. A divisão batizada de “Ghost Army” (Exército Fantasma) era composta por profissionais de diversas áreas, incluindo atores e especialistas em efeitos especiais. Em operações totalmente secretas — nem seus conterrâneos sabiam de sua existência —, simulavam deslocamentos e ataques para confundir as tropas alemãs e desviar a atenção da movimentação dos soldados reais. Segundo um relatório do Pentágono, o plano salvou entre 15 mil e 30 mil vidas das forças aliadas.

No final dos anos 1990, quando o sigilo do caso foi levantado, o historiador Rick Beyer escreveu um livro sobre o tema, nunca lançado no País. Mas os brasileiros podem acompanhar o episódio por meio do documentário Ghost Army, veiculado no Youtube e hoje disponível na Netflix e Amazon Prime.

Com a demora na divulgação da artimanha, muitos levaram o segredo para seus túmulos. “Já se passaram oitenta anos desde que desembarcamos na França”, disse Beyer, no evento de condecoração dos veteranos (leia box ao lado). “É um dia que demorou muito para chegar, mas valeu a pena, não é mesmo?”

O Ghost Army era composto por cerca de 1.000 tropas, mas conseguia simular operações com até 30.000 soldados. Foram recrutados estudantes de arte e jovens profissionais de agências de publicidade, empresas de comunicação e outras profissões criativas. Muitos deles seguiram carreiras importantes mais tarde, como o estilista Bill Blass e o pintor e escultor Ellsworth Kelly.

Soldados recrutados em escolas de arte e agências de publicidade: primeira unidade móvel multimídia da história (Crédito:Divulgação )

“A imaginação é incrível”

Uma dessas pessoas era Gilbert Seltzer. Ao se alistar no exército, o arquiteto de 26 anos foi informado que seria colocado em uma missão ultra-secreta. Ele acabou liderando um pelotão de homens que projetavam o som de tanques em alto volume por meio de caixas de som, nas noites em que se moviam por vilarejos na França, Bélgica e Alemanha. “Os moradores comentavam que viam os tanques se movendo pela cidade”, afirma Seltzer no documentário. “Eles realmente achavam que estavam vendo os tanques, quando na verdade estavam apenas ouvindo os sons. A imaginação é impressionante.”

Nunca houve um exército com profissionais tão diversos entre si. Atuavam na guerra engenheiros de som, radialistas, estilistas, artistas, atores e cenógrafos de teatro, entre outras profissões que nada tinham a ver com a realidade violenta do combate.

De acordo com Rick Beyer, foi a primeira unidade móvel multimídia da história. Foram escolhidos por meio de avisos publicados com conteúdo bastante vago, para não levantar suspeitas — o aspecto secreto da operação era essencial.

“Acho que tivemos sucesso porque os alemães atiraram contra nós”, afirmou Seltzer. Após a guerra, os soldados receberam uma carta de agradecimento do general Dwight Eisenhower, com uma observação importante ao final: “Se você contar a alguém, farei com que seja enforcado.”

Heróis desconhecidos

Condecorados décadas após o fim da guerra, militares eram proibidos de falar sobre a operação

Unidade secreta: apenas sete sobreviventes

O reconhecimento veio tarde, mas não falhou. Bernard Bluestein, de 100 anos, formado em desenho industrial; John Christman, 99, especialista em construção civil; e Seymour Nussenbaum, 100, designer especializado em selos. Os três militares aposentados foram condecorados por suas participações no Ghost Army e, finalmente, receberam homenagens em público.

Os veteranos estiveram em Washington para receber a Medalha de Ouro do Congresso, a maior honra concedida pelo Legislativo dos EUA.

Além dos três, há apenas outros quatro membros sobreviventes. O prêmio honra a 23ª Headquarters Special Troops, que realizou mais de 20 “missões de engano” perto das linhas de frente na França, Bélgica, Luxemburgo e Alemanha, entre junho de 1944 e março de 1945.

Também foi premiada a sua unidade irmã, a 3133 Signal Co. Special, que praticou enganos sonoros na Itália, em 1945.

Em uma de suas operações mais importantes, o Exército Fantasma enganou os alemães em uma operação de travessia do Rio Reno. Imitaram as características de duas divisões, que somariam ao todo cerca de quarenta mil homens. Movimentando-se durante a noite, os atores agiram a 16 quilômetros do lugar planejado para a travessia real. Com 200 caminhões e tanques infláveis, emitiram sons em alto volume e reproduziram motores barulhentos, soldados cantando e ordens falsas pelo rádio. O inimigo bombardeou a unidade falsa, deixando o caminho livre para o Nono Exército dos EUA cruzar o rio com sucesso.