Comportamento

De Versalhes a Pequim: a rota de arte e ciência que une China e França há séculos

Mostra com 200 peças no museu da Cidade Proibida marca os 60 anos de relações diplomáticas entre França e China, de raízes no século XVII com o Rei Sol e o imperador Kangxi

Crédito: Jade Gao

A exposição no Museu do Palácio, em Pequim, retrata o riquíssimo encontro entre Ocidente e Oriente há quase quatro séculos (Crédito: Jade Gao)

Por Denise Mirás

Na França, o poder estava com Luís XIV, que passou à história como “O Rei Sol”. No Oriente, o imperador Kangxi controlava o território que ia da Manchúria, no extremo nordeste da China, ao Tibete, no oeste, passando pela Mongólia. Naquele período, entre 1601 e 1700, o lluminismo se assentava na Europa e não à toa esse século XVII foi chamado de “O Século das Luzes”, com a fé dando lugar à razão e fenômenos da natureza sendo esquadrinhados. Assim, a curiosidade e a sede pelo saber do rei francês e do imperador chinês incentivaram o intenso trânsito de missionários europeus em um leva-e-traz da arte e da ciência cultivadas nos dois mundos.

Luís XIV e Kangxi nunca se encontraram: a expedição que levaria uma carta do francês endereçada ao chinês, datada de 6 de agosto de 1688, nunca saiu do país. Mas 336 anos depois daquela missiva (hoje nos Arquivos de Relações Exteriores da França), peças representativas daqueles laços atados entre Oriente e Ocidente seguiram do Palácio de Versalhes ao Museu do Palácio, em Pequim, atravessando o planeta para uma exposição que começou no dia 1º deste mês e vai até 30 de junho deste ano.

O intercâmbio foi acentuado algumas décadas depois e entrou pelo século XVIII com os dois sucessores imediatos do Rei Sol. Seu resultado está retratado na mostra, que também marca os 60 anos das relações diplomáticas “da era contemporânea”, estabelecidas pelo general Charles de Gaulle entre França e China em 27 de janeiro de 1964, ao reconhecer o governo comunista do líder Mao Tsé Tung, com 2024 ainda programado como Ano Franco- Chinês do Turismo Cultural.

Pinturas do acervo de Versalhes (abaixo) foram levadas a Pequim e reunidas com peças do museu da Cidade Proibida (Crédito:Gao Jing)

A exposição aberta agora foi aprimorada em relação à mostra no Palácio de Versalhes em 2014 (que marcou os 50 anos das relações diplomáticas entre os dois países), pela aquisição de mais peças nos últimos dez anos e pela colaboração científica que revela ainda mais paralelos até então desconhecidos desse recorte da história.

São mais de 200 obras na mostra “A Cidade Proibida e o Palácio de Versalhes”, que revelam uma relação de confiança e interesse pouco conhecida, a partir da arte, da ciência, da diplomacia e do comércio, e mesmo do gosto pela cultura e pela “moda” entre as duas Cortes, com trocas favorecidas a partir de 1686. Foi nesse ano que Luís XIV recebeu embaixadores com presentes enviados pelo rei do Sião — cerca de 50 peças, em ouro, prata, bronze e tombac (liga de cobre e zinco), de origem siamesa, chinesa e japonesa, que despertaram o gosto da aristocracia da França pelo Extremo Oriente, dando origem às relações diplomáticas e políticas.

Muitas obras levadas da China receberam destaque no mobiliário nobre francês, como painéis lacados e peças de porcelana (até então material com fabricação “secreta”) recebendo adereços em bronze dourado, além de pinturas, tapetes, objetos de arte e design de interiores e de jardins, que alcançaram até a arquitetura das moradias.

Literatura, música e ciência também serviam de inspiração a artistas e intelectuais.

Essa relação próxima dos dois países está detalhada na exposição no museu de Pequim.

Mapas levados por missionários europeus despertavam interesse da aristocracia chinesa, nos séculos XVI e XVII, mas relógios impressionavam ainda mais (Crédito:Jade Gao)

Chave do proibido

Do lado chinês, a curiosidade vem ainda de 1601, pelos relógios de Matteo Ricci (além de mapas, prismas e crucifixos), que atraíram a atenção da Corte chinesa e se tornaram a chave para o missionário italiano se tornar o primeiro ocidental a entrar na Cidade Proibida, extensa área quadrangular murada dentro de Pequim, só ocupada pelos nobres, então comandados pelo Imperador Wanli.

Décadas depois, com o imperador Kangxi (de nome verdadeiro Xuányè), a China plantava sua semente expansionista e já barrava a Rússia czarista em sua fronteira norte.

Durante seus 61 anos de reinado, o país conheceu uma “Era Próspera”, depois de anos de guerra e caos. Em torno de 1688, padres jesuítas franceses matemáticos, enviados pelo Rei Sol, já tinham acesso à Cidade Proibida, agora aberta ao público em geral para a visita aos tesouros acumulados pela nobreza dos dois países há quatro séculos.

(Divulgação)