Brasil

Deus pra lá, Deus pra cá: com avaliação em baixa, Lula apela para a fé

Lula muda discurso e aposta em campanha publicitária direcionada para se aproximar dos evangélicos. “Fé no Brasil”, o mote da nova peça publicitária do governo, servirá de base para o presidente divulgar obras em ano eleitoral e reverter a queda de sua popularidade

Crédito: Ricardo Stuckert

Lula com evangélicos no Rio: ajustes e adaptações no discurso para ficar mais perto dos religiosos (Crédito: Ricardo Stuckert)

Por Marcelo Moreira

O presidente Lula estava mais concentrado do que de costume. A informalidade e a descontração deram lugar a um ambiente mais solene. Era o início do seu discurso para a inauguração de uma estação de tratamento de água e esgoto em Arcoverde, Pernambuco, o seu estado natal. No começo, havia a avaliação de seu entorno de que ele não poderia errar no tom. Lula não decepcionou. Mostrou-se firme e articulado, deixando claro que suas falas estavam ensaiadas. Mergulhado em termos se referindo à fé e aos “desígnios de Deus”, como comentou um parlamentar da base governista, o presidente recheou o discurso com tons emotivos, mirando o público evangélico. Era o pontapé inicial de uma estratégia que está sendo posta em prática sob a liderança do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Paulo Pimenta.

Ele prepara para lançar uma nova campanha publicitária que vai entrar no ar com o slogan “Fé no Brasil”, para ressaltar as obras do governo, realçando as principais marcas do governo Lula 3 para atingir os religiosos, sobretudo os evangélicos, onde a avaliação do governo não é boa.

“Vocês acreditam em Deus? Em milagres? Então eu vou contar alguns hoje”
Presidente Lula, em discurso na cidade de Arcoverde (PE), a sexta-feira, 5

Em março, a avaliação positiva do governo caiu nos levantamentos feitos pelos institutos Quaest, Atlas Intel e Ipec. Um deles, em específico, chamou a atenção.

O Quaest fez uma análise sobre as falas de Lula relacionando as ações de Israel contra o Hamas em Gaza como “semelhantes ao Holocausto judeu de Hitler” na Segunda Guerra Mundial.
Para 60% dos entrevistados, o presidente “exagerou” na comparação e sua popularidade despencou.
Entre os evangélicos, o índice de rejeição chegou a 69%.
Segundo a Quaest, a avaliação negativa do governo subiu de 36% a 48% neste grupo, enquanto no geral ela foi de 29% a 34%.
Na pesquisa Atlas Intel, 57% dos evangélicos avaliam o governo como “ruim/péssimo”. No geral são 41%.

Com a campanha “Fé no Brasil” a ser colocada na mídia, Lula vai percorrer o país mostrando suas realizações e inaugurando obras, ao mesmo tempo em que irá focar nas menções religiosas, com referências a Deus, passagens bíblicas e a realização de milagres.

O conceito básico da propaganda é realçar a positividade, com farta dose de esperança, para que a população perceba que o “Brasil mudou para melhor e a vida está menos dura”.

Em Pernambuco, na sexta-feira, 5, o presidente abusou da palavra fé e citou Deus 11 vezes. Recorreu a expressões com a palavra “milagre” em 16 oportunidades. Foi uma palavra religiosa a cada 1 minuto.

Paulo Pimenta comanda a campanha do governo que tem como slogan ‘Fé no Brasil’, peça publicitária que tentará divulgar as obras federais (Crédito: Ettore Chiereguini )

Cleyton Monte, cientista político da Universidade Federal do Ceará (UFC), apontou que havia deficiência na comunicação oficial do governo, além do problema de gerenciamento de informações nos ministérios, que estavam batendo cabeça na divulgação dos feitos do governo.

A nova campanha de publicidade oficial vem para dar foco e unificar discursos, segundo o analista. “Lula sabe que, em ano eleitoral, são necessárias respostas rápidas e que tenham a aprovação do eleitor médio, aquele que não é necessariamente petista. É possível que esse eleitor entenda que, atualmente, as ações do presidente e de seu governo não estejam voltadas para esse eleitorado, o que explica, em parte, a percepção negativa.”

As pesquisas de março tocaram nesse ponto, aparentemente replicando o que lideranças evangélicas no Congresso costumam dizer a respeito do governo Lula: que as orientações administrativas passam muito longe do que os religiosos pensam, principalmente em relação a temas de costumes.

Pedindo anonimato, ao menos dois parlamentares próximos da Frente Parlamentar Evangélica reforçam esse pensamento. Entendem o esforço que presidente está fazendo para se aproximar do público religioso, mas não se impressionam com a nova campanha de publicidade governista. “A percepção geral do nosso público é que está à margem da administração federal, que esse governo não consegue falar com ele e que nossas reivindicações não chegam ao Palácio do Planalto. Ou seja, são necessárias ações mais concretas. Só mencionar Deus nos discursos é insuficiente”, disse um deles.

“Nossa relação com os evangélicos é respeitosa, de construção de políticas púbicas.”
Jorge Messias, advogado-geral da União

Alinhamento

Na via oposta, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, que é evangélico, minimiza a rejeição dessa vertente religiosa ao governo. “Eu não acho que o segmento evangélico tenha resistência ao presidente como se coloca”, afirmou Messias durante a Brazil Conference, na Universidade Harvard (EUA), na semana passada. “Nosso trabalho com o segmento evangélico é uma relação respeitosa, mas com o foco na construção de políticas para toda a população, que é papel do Estado. Precisamos lembrar que o Estado é laico. A campanha ‘Fé no Brasil’ é resultado concreto da aproximação do governo com os religiosos.”

Messias é uma voz fundamental no governo Lula na interlocução com os evangélicos, já que é adepto de uma dessas correntes. Ele é um dos formuladores das estratégias do governo com esse público, ao lado ainda dos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social). Os três têm total confiança de Lula.

Há duas semanas, Padilha e Messias se reuniram com integrantes da Frente Parlamentar Evangélica no gabinete da liderança do PSD, na Câmara, e ouviram muitas queixas, como afirmaram os parlamentares evangélicos à ISTOÉ. Eles dizem que ficam mais sentidos quando votam a favor do governo e são logo associados por suas bases à defesa do aborto e à descriminalização das drogas.