Comportamento

É oficial: ciranda e maracatu são Patrimônio Cultural Imaterial do Recife

Reconhecidas pela prefeitura, as tradições culturais geram renda para a comunidade, tiram crianças da rua, e reafirmam importância das manifestações a educação da sociedade

Crédito: Tarsio Alves

Maracatu Cambinda Brasileira: caboclos de lança são destaque na expressão de origem rural (Crédito: Tarsio Alves)

Por Ana Mosquera

“Se você chegar ao Nordeste sem conhecer ninguém e entrar em uma roda de ciranda, você já dá as mãos e começa a dançar na mesma alegria e balanço”, diz Anderson Miguel, mestre do Maracatu Rural Cambinda Brasileira, cirandeiro, cantor e compositor. “Nós vamos passando nas festas de rua, principalmente no Carnaval, e vemos as pessoas na maior empatia. O ritmo do maracatu é alucinante, e ele é importante porque faz o resgate de uma ancestralidade”, afirma Iêdo Paes, professor na Universidade Federal Rural de Pernambuco e integrante do Maracatu Fantástico A Cabra Alada. Três das manifestações culturais mais relevantes e integradoras de Pernambuco, a ciranda, o Maracatu de Baque Solto e o Maracatu de Baque Virado, acabam de ser reconhecidas como Patrimônio Cultural Imaterial do Recife, o que deve resultar em um maior reconhecimento da importância cultural e religiosa das tradições locais.

Em decorrência de projetos de autoria do vereador Almir Fernando (PSB), sancionado pelo prefeito João Campos (PSB), ainda foi instituído o Dia Municipal do Maracatu de Baque Solto em 12 de novembro.

O maracatu já é Patrimônio Vivo de Pernambuco desde 2005 e Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil há dez anos, enquanto a ciranda recebeu o título nacional pelo Iphan em 2021. “O recebimento de títulos e o reconhecimento como patrimônio, tanto local quanto nacional, fortifica a difusão dos ritmos dentro do nosso estado e do Brasil”, diz Paes.

Desde a Constituição de 1988 são considerados bens culturais de natureza imaterial “as práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares”, segundo o site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

No País, há:
 as baianas do acarajé (Iphan),
o artesanato em barro do Vale do Jequitinhonha (Governo do Estado de Minas Gerais),
e as paneleiras de Goiabeiras, recentemente contempladas pelo Governo do Estado do Espírito Santo.

“São culturas que geram renda para a comunidade. Conseguimos tirar muitas crianças da rua ao levá-las para o maracatu. Damos oficinas, como aulas de percussão e de bordado para as fantasias, mesmo com todas as dificuldades. Além de incentivá-los a ir à escola, cresce o senso de responsabilidade e compromisso”, diz Anderson Miguel.

Espontânea e democrática: tradição que une integrantes e turistas reafirma o lugar da rua como palco para os cirandeiros (Crédito:Divulgação )

Há 20 anos inserido no cotidiano das atividades, ele reitera a importância do reconhecimento, da destinação de recursos financeiros e da inserção da cultura popular nos eventos municipais. “A validação é muito importante não só para maracatu e a ciranda, mas para o todo o segmento cultural, que engloba manifestações como o coco de roda e o cavalo-marinho.”

São quase 150 grupos de maracatu no estado, segundo dados do Iphan e da Associação dos Maracatus Nação de Pernambuco (Amanpe). Apenas em Nazaré da Mata, a 70 km de Recife, considerada “a capital dos maracatus”, há 18: um deles é a Cambinda Brasileira, o mais antigo em atividade em Pernambuco, e o Maracatu Feminino Coração Nazareno, de formação feminina. Sua Mestra Gil, falecida em fevereiro, foi a primeira mulher a chefiar um maracatu rural e a cantar sobre a igualdade de gênero e questões ambientais em um universo que ainda é majoritariamente masculino.

(Divulgação)

“Sua difusão entre as secretarias de educação e cultura é importante para que sejam inseridos em novas pastas.”
Iêdo Paes, integrante do Maracatu Fantástico

Raízes para o mundo

De extrema importância para o estado, há diferenças entre cada maracatu e a ciranda.

Além das características sonoras, o Maracatu de Baque Solto tem origem na zona rural, com os escravizados nas plantações de cana-de-açúcar, e seu personagem mais importante é o caboclo de lança.

Já o Maracatu de Baque Virado está mais ligado à área urbana, também tem raízes africanas e, em suas apresentações, um cortejo real desfila na companhia de um grupo percussivo.

De origem portuguesa, a ciranda chegou a Pernambuco na década de 1960 e reúne dança, música e canto.

Todos, porém, viajam o Brasil e o mundo e contam com forte representação no eixo Sul-Sudeste. “A desterritorialização da manifestação cultural requer um olhar apurado e um cuidado de quem está à frente para apresentar a tradição de maneira genuína, de acordo com suas origens”, diz Paes.