Comportamento

Churrasco de vegetais? É no que apostam chefs premiados do mundo todo

Chefs de cozinha usam o fogo para realçar o sabor de verduras, legumes e frutas, retirando a carne do centro das atenções — inclusive em restaurantes em que se espera o seu absoluto reinado. Além de menus vegetarianos, cozinheiros premiados migram para o veganismo devido à sustentabilidade

Crédito: Silvia Zamboni

A chef Mari Sciotti: contato com o fogo, que chega à 500ºC, realça textura e sabor dos produtos da terra (Crédito: Silvia Zamboni )

Por Ana Mosquera

“O controle do fogo em qualquer medida permite ao homem tornar-se divino, senhor dos processos naturais”, escreveu o historiador Massimo Montanari em seu livro Comida como Cultura (Senac). De acordo com mitos, lendas e fatos científicos, o domínio do fogo representa o início da civilização, a passagem da natureza para a cultura, do cru para o cozido na exata definição do antropólogo Claude Lévi-Strauss — o homem passou a adoecer menos e viver mais quando começou a aquecer aquilo que caçava para comer. A associação do fogo à carne ainda é prevalente, mas chefs vêm reforçando o protagonismo dos vegetais em preparos como churrasco.

O argentino especializado no assunto Francis Mallmann, cujos restaurantes na América Latina já foram listados entre os 10 melhores do mundo pelo USA Today e The Times, acaba de ter seu livro Fogo Verde lançado no Brasil (Companhia das Letras). Na obra, legumes, verduras e frutas deixam o lugar de acompanhamento para ganharem notoriedade no ritual em que a carne costuma ser o chamariz.

Montagem valoriza quiabo com creme de vegetais tostados, do Quincho, em São Paulo (Crédito:Divulgação )
Molho com tomates e pimentões assados dá base ao alho poró na brasa, do Feriae, na capital paulista (Crédito:Divulgação )

Não no centro, mas na entrada é onde fica o forno a gás e lenha do restaurante Quincho, em São Paulo. Adepta de uma “cozinha de vegetais”, a chef Mari Sciotti acredita que as chamas sejam as melhores aliadas de tais elementos. “Eles são muito apresentados de forma suave, seja em preparos, sabores e propostas gastronômicas, já que costumam ser associados a dietas de restrição calórica.”

O fogo direto tem um benefício que supera o cozimento em água ou no vapor. “Em um processo de calor intenso, você tira um pouco do líquido e traz nuances que agregam não só sabor, mas textura”, diz Mari, que relaciona o modo de preparo à aversão que muitas pessoas têm ao verde.

Ainda na capital paulista, no Feriae, o chef Mario Panezo tem na sustentabilidade e na história da civilização as bases do cardápio que hoje é 60% vegetariano. “A maior transformação acontece quando o fogo está em contato com o alimento, com o carvão e a madeira. Usá-lo é uma forma de trazer elementos de valor para a cozinha, tanto no sabor quanto no que ele representa para a evolução da humanidade.”

Controle de tempo e temperatura também é fundamental na churrasqueira que chega a atingir 350ºC, assim como a escolha dos temperos, que ainda auxiliam na conservação dos vegetais. “O vegetal é muito bom, só que precisamos aportar mais sabor a eles, por meio da acidez, picância e gordura, e do uso de especiarias.”

Também em São Paulo, outras casas que se valem do fogo como foco dão cada vez mais crédito ao reino vegetal, como o Chou, o Cozinha 212, que cultiva os ingredientes em sítio próprio, e o tailandês Ping Yang, que traz pratos como o repolho com shoyu e crispy de alho.

O chef Mario Panezo: priorização dos vegetais tem a ver com sustentabilidade e domínio das chamas na evolução humana (Crédito:Divulgação )

Premiados para todos

Colocar os vegetais no centro da mesa, e não só com o fogo como condutor, também está na mira da alta gastronomia. Em 2021, o chef francês Alexis Gauthier transformou seu restaurante em Londres em 100% vegano, quebrando o paradigma da culinária que tem seus principais molhos e sobremesas baseados em produtos de origem animal.

No mesmo ano, o chef suíço Daniel Humm tornou o cardápio do Eleven Madison Park – em Nova York, com três estrelas Michelin – em plant based.

A mudança de ambos se justifica na procura por um sistema alimentar sustentável, além da diversidade de sabores. “É um mega desafio fazer um menu vegetariano porque pretendemos, com técnicas e formas de cocção, extrair todo o sabor que há nesses legumes, seus aromas, e os contrastes de crocância e maciez”, diz o chef Jefferson Rueda, d’A Casa do Porco, em São Paulo.

Ele é o 12º melhor restaurante do mundo pelo ranking 50 Best e o cardápio vegetariano é espelhado no original — ou seja, aquele que traz pratos com carne suína. Intitulado “Da terra saímos e para ela voltamos”, o menu degustação sem carne usa técnicas como cura e defumação, e o churrasco é feito de mandioca.