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Macron visita o Brasil de Lula: agenda para francês ver

Em três dias no Brasil, o presidente Emmanuel Macron reata laços diplomáticos e, com Lula, fecha uma agenda verde e acordos comerciais e de transferência tecnológica. Sobre temas árduos como Ucrânia e acordo Mercosul-UE, não houve consenso

Crédito: Ludovic Marin

Emmanuel Macron é recebido por Lula no Palácio do Planalto, na quinta (28), depois de conhecer a floresta amazônica e o porto de Itaguaí-RJ (Crédito: Ludovic Marin)

Por Denise Mirás

Com popularidade em queda acentuada em casa, o presidente francês Emmanuel Macron decidiu sair para sua primeira viagem à América Latina e escolheu a Amazônia como porta de entrada, de extremo valor simbólico. Assim, desembarcou na Guiana Francesa — que garante a seu país europeu a peculiaridade de fazer parte da região que ainda é vista como “pulmão do mundo” e se tornou das mais cobiçadas do planeta por suas riquezas. Na sequência, iniciou a visita ao Brasil por Belém do Pará, que em 2025 será a sede da COP30, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas que reunirá representantes de pelo menos 100 países.

Em três dias de visita como chefe de Estado, foi recebido pelo presidente Lula para tratar basicamente de quatro grandes temas:
a questão ambiental,
a estratégia geopolítica,
a cooperação tecnológica (com destaque para o setor nuclear),
o espinhoso Mercosul.

E, além dos acordos entre os dois governos, uma delegação de empresários acompanhou o presidente francês, realçando o interesse em incrementar relações comerciais.

Macron se mostrou deslumbrado na terça-feira, 26, em meio à exuberância da floresta amazônica. Ciceroneado por Lula, atravessou de barco o rio Guamá para conhecer a produção de cacau e açaí da comunidade ribeirinha da Ilha do Combu, mas também foi alvo do Greenpeace Brasil, que levantou uma faixa de “Petróleo na Amazônia, não” em um veleiro de pesquisa ali atracado.

Depois, condecorou o cacique Raoni, de 92 anos, com a medalha da Legião de Honra — a mais alta honraria da França — pela luta de toda vida do kayapó em defesa da mata e dos povos originários.

O cacique Raoni recebe a medalha da Legião de Honra no Pará, na terça (26) (Crédito:Ricardo Stuckert)

Os três dias de Macron incluíram a ida até Itaguaí, no Rio de Janeiro, na quarta, para o lançamento do “Tonelero”, terceiro submarino com propulsão diesel-elétrica construído no Brasil, da parceria de R$ 40 bilhões com a França que ainda prevê uma quarta embarcação convencional e uma nuclear, até 2033.

E uma passagem à noite na FIESP, em São Paulo, para tratar de assuntos voltados a infraestrutura e indústria, ao lado do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e do ministro Fernando Haddad, da Fazenda.

A quinta-feira, 28, foi reservada para a recepção de Emmanuel Macron em Brasília, como chefe de Estado — apenas a segunda dessa cerimônia nesta gestão de Lula, depois do primeiro-ministro alemão Olaf Scholz em janeiro do ano passado.

A visita de Macron ao Brasil assume um caráter de reatamento de relações diplomáticas depois dos anos isolacionistas de Jair Bolsonaro, que chegou a debochar em redes sociais da primeira-dama Brigitte Macron e a desmarcar encontro com Jean-Yves Le Drian, ministro das Relações Exteriores, dizendo que iria ao barbeiro.

O presidente francês deu a resposta ao receber Lula em Paris — ainda pré-candidato em 2021 —, com honras de chefe de Estado.

Agora, os laços ainda serão reforçados com o relançamento em 2025 do “Ano do Brasil na França” e do “Ano da França no Brasil”, desta vez simultâneos.

A primeira-dama Janja batiza o submarino ‘Tonelero”, construído no Brasil com tecnologia francesa (Crédito:Hermes de Paula)

Para Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, a agenda dos dois presidentes realça o meio ambiente também porque a Guiana Francesa “é a França na Amazônia”.

As conversas entre Lula e Macron incluiriam a Venezuela, como parte da região que ainda reúne a disputa pelo petróleo no mar do Caribe, migrações e garimpos clandestinos e pesca ilegal. Ucrânia e Mercosul não devem alcançar consenso definitivo. “Macron não é mais tão popular em seu país. Falou em enviar soldados à Ucrânia, quando os EUA já estão pulando do tacho, e a sua trava imposta ao Mercosul divide opiniões na Comissão Europeia”, diz.

Por isso, um debate mais assertivo foi em torno de cooperação nuclear, com os dois países ampliando a área voltada para esse tipo de indústria.

“A defesa do clima e da biodiversidade nos levará a formular estratégias muito mais ambiciosas.”
Emmanuel Macron, presidente francês, sobre o programa de R$ 5,4 bilhões para proteger a Amazônia

Relação comercial

Carolina Pavese, doutora pela London School of Economics e professora de RI da ESPM, também não acreditava que temas mais incisivos como Ucrânia e Mercosul fossem aprofundados, mas sim uma agenda verde de cooperação — como o já anunciado 1 bilhão de euros em bioeconomia da Amazônia do Brasil e da Guiana para os próximos quatro anos.

Ela lembra que “a União Europeia está atrás de fontes para transição energética, e o Brasil, com energia limpa, tem a garantia de ser mercado fornecedor”.

Outro destaque foram acordos tecnológicos (principalmente com transferência nuclear e militar) e comerciais. “Aqui, são mais de 1.100 empresas francesas operando e, no entanto, o país ainda é apenas o 27º entre os nossos parceiros comerciais”, observa.

Até agora, a ênfase tem sido em investimento direto, com visão de futuro: em coisas sólidas e a longo prazo. “Macron está em momento de fragilidade política, sem se arriscar contra ambientalistas e conservadores do agronegócio, que têm muito peso político na França. Assim, traça uma estratégica de afirmação por meio das relações internacionais.”