Editorial

O golpista inveterado e as fugas

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Carlos José Marques: "O Bozo, maliciosamente, constrói uma obra-prima de transgressões e delitos, enquanto é aclamado como herói da Pátria, da moral e dos bons costumes" (Crédito: Divulgação )

Por Carlos José Marques

Investiga-se o paradeiro de um incorrigível fujão. Covarde que nem ele só, agora esgueira-se na calada da noite por embaixadas de autocratas notórios, buscando escapulir do inevitável: as grades que, merecidamente, o aguardam. Era do conhecimento até das pobres emas do Planalto, que corriam dele quando o dito cujo tentava alimentá-las com Cloroquina, que o “maledetto” capitão, ex-mandatário, mito de araque, Bolsonaro (pode até chamar de Jair, de Messias, qualquer dos epítetos que ele atende) morria de medo de acabar encalacrado por sua longa capivara de crimes, coroada com uma malfadada tentativa de golpe de Estado. Bolsonaro não se emenda. Se tem uma figura que sabe o que fez no passado, e que procura armar as mais diversas estripulias para seguir impune, é essa aí. O planejamento minucioso de um esquema de asilo político na embaixada húngara do amigo e chapa Viktor Orbán, extremista da ultradireita que sabotou instituições e se deu bem, foi apenas mais um capítulo das manobras alopradas que empreendeu. O Messias brasileiro arrota valentia em público, cresce para cima de mulheres, exibe soberba de arma na mão, mas comporta-se feito um camundongo na hora de tentar salvar a própria pele. Depois, pilhado em flagrante nas traquinagens, apela a desculpas, invariavelmente esfarrapadas, narrativas risíveis para manter acesa a chama de uma turba fiel de adoradores que quer vê-lo na condição de líder bacana, posando de superior, alimentando a seita com lorotas capazes de ampliar essa que parece ser uma típica congregação do fim dos tempos, ampliada dia a dia na quantidade de áulicos seguidores. A conclusão estrila nas esquinas. O Bozo, maliciosamente, constrói uma obra-prima de transgressões e delitos, enquanto é aclamado como herói da Pátria, da moral e dos bons costumes. Quem ainda se apega a tais bandeiras quando deliberadamente deturpadas? Está tudo errado. Como pode? A tropa infecta de bolsominions, numa típica alienação coletiva, mergulha bobamente na ilusão do pseudo redentor que se autoproclama “imbrochável, imorrível e incomível”. Não há como evitar a tertúlia: propagadores de façanhas desse naipe, em geral, da cintura para cima são poesia, da cintura para baixo, prosa. Cambaleante, sedento de atenção e holofotes em outros tempos, o ex-capitão experimenta no momento a maldição das sete pragas do Egito. Todos os seus podres estão vindo, rapidamente, à tona. Os processos e idas para explicações à polícia se amontoam. Instado pelo juiz do Supremo Alexandre de Moraes a decifrar em 48 horas mais esse “enigma” de uma estadia sorrateira de dois dias, em pleno Carnaval, na representação diplomática do colega de maquinações Viktor Orbán – com o detalhe da tal “passagem” ter acontecido logo após a apreensão de seu passaporte –, saiu pela tangente. Alegou que estava ali, no território considerado húngaro e, portanto, longe do alcance de oficiais brasileiros que poderiam eventualmente emitir a decretação de mandado de prisão (o risco existia), para meros “contatos com autoridades”. Só faltou a fantasia de Arlequim para completar a algazarra momesca que encenou da temporada. Patético nos argumentos, como corriqueiro, o ex-mandatário definitivamente precisa de um freio. A prisão preventiva prenuncia-se imperativa, necessária. Do contrário, a Justiça vai, paulatinamente, ficando desmoralizada. A vítima aqui será o sistema, caso não haja um tratamento exemplar, igual ao reservado a infratores do mesmo porte. Já existem, naturalmente, elementos de sobra. Como bem apontou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, Bolsonaro “é fugitivo confesso”. Admitiu, de fato, a escala na base consular da Hungria a título de visita. Cinicamente, dissimula. Sabe bem o que representa refugiar-se ali, em especial nas circunstâncias que enfrenta atualmente. O episódio em si causou até um embaraço internacional. O titular da embaixada teve de ser convocado para esclarecimentos. Na prática, o asilo político, indevido e “acidental”, já aconteceu. Para o esquema ir adiante, basta que os dois “colegas” de poder, Bozo e Orbán, estejam de acordo sobre os termos para um, digamos, exílio dourado. Fato: o cruel silêncio dos julgadores dessa gambiarra não tira do ar a sede por justiça. Leis existem e estão aí para serem aplicadas, doa a quem doer. Curiosamente, pouca gente até hoje se deu conta disso. Preferem apostar na resiliência ou na indulgência porque, no campo dos big-shot, acreditam, foi sempre assim e assim será. Não há dúvida, aqui no Brasil sobreleva a forte impressão de punições passando ao largo da Casa Grande avarandada dos poderosos. Por excesso de apelações e de dinheiro, a sina faz jus à fama, que deveria ter um ponto final a favor do Estado de Direito e da Carta Magna.