Brasil

Bolsonaro mais perto da prisão: cartão de vacina é passaporte para banco dos réus

Indiciado pela PF por fraude no cartão de vacinação da Covid-19, Bolsonaro entra na rota que o levará a prováveis condenações e à prisão por uma série de crimes que praticou ao longo do mandato e terminou com a tentativa de golpe

Crédito: Dida Sampaio

Cid contou à PF que Bolsonaro ordenou a fraude nas carteiras de vacinação dele e de sua filha (Crédito: Dida Sampaio)

Por Vasconcelo Quadros

O ex-presidente Jair Bolsonaro entrou definitivamente na rota da prisão. Na terça-feira, 19, ele foi indiciado por fraudar seu cartão de vacinação e da sua filha, além de ser acusado de associação criminosa, a primeira de uma série de procedimentos judiciais que abrem caminho para colocá-lo no banco dos réus e sofrer uma inevitável condenação.

Ele é suspeito de se utilizar de um esquema fraudulento para deixar o País em 30 de dezembro de 2022, numa operação de fuga que foi planejada por temer ser preso em decorrência de sua participação na articulação fracassada de uma tentativa de golpe: a PF sustenta que Bolsonaro e seus fiéis assessores queriam ter à disposição documentos necessários para entrada e permanência no exterior enquanto aguardariam a conclusão da nova onda golpista, cientes de que ela eclodiria no dia 8 de janeiro de 2023, com os ataques premeditados aos prédios dos Três Poderes em Brasília.

Num dos depoimentos prestados dentro do acordo de delação premiada, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, vincula a fraude nos cartões com a trama golpista e revela que a ordem para falsificar os dados partiu do ex-presidente, que pretendia ter os documentos falsos para qualquer eventualidade.

“Uma dessas necessidades seriam as viagens”, afirma Cid.

Há suspeitas apontando que se o Poder Judiciário reagisse à época com mandado de prisão contra os golpistas, o grupo poderia ficar no exterior ou até pedir asilo político em algum país governado pela extrema direita.

(Divulgação)

VACINAS
O negacionismo provocador e leviano do ex-presidente teria induzido mais da metade dos 700 mil mortos na pandemia a não seguirem as regras sanitárias estabelecidas pela OMS. Bolsonaro sabotou as vacinas, debochou do sofrimento
dos infectados imitando uma pessoa com falta de ar e fez apologia a crimes contra a saúde pública

O indiciamento de Bolsonaro é resultado da colaboração do ex-ajudante de ordens, confirmada pela PF depois de minuciosa investigação. Cid e mais 15 pessoas, entre eles sua mulher, Gabriela, o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira (MDB-RJ) e o advogado e ex-militar Ailton Gonçalves de Barros também foram indiciados.

A partir de agora a vida do ex-presidente ficará difícil: encerrado, o inquérito da PF seguirá para o procurador-geral da República, Paulo Gonet e, deste, já como denúncia, será encaminhado para o ministro Alexandre de Moraes (STF) para instauração do processo criminal.

A PF listou seis eixos de investigações:
agressões virtuais a opositores pelo chamado “gabinete do ódio”,
ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
ataques às urnas eletrônicas e ao processo eleitoral;
sabotagem às vacinas contra a Covid-19;
boicote premeditado às medidas sanitárias contra a pandemia;
fracassada tentativa de golpe de Estado.

No conjunto de investigações há ainda o uso ilegal de cartões corporativos e a busca de vantagens indevidas como a apropriação das joias sauditas e de outros presentes ao governo brasileiro que o ex-presidente incorporou ao seu patrimônio pessoal.

Só no caso dos cartões de vacina, no qual o ex-presidente incluiu sua filha caçula, Laura, de 14 anos, a lei prevê penas de três anos a 15 anos, que podem ser aumentadas por envolver a adolescente. Somados todos os crimes, Bolsonaro pode ser condenado a cerca de 50 anos de cadeia.

(Divulgação)

 JOIAS
Presente do governo da Arábia Saudita ao Estado brasileiro, as joias foram separadas para serem vendidas
no exterior em benefício pessoal do ex-presidente. O general Mauro Cesar Lorena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, num ato falho, acabou registrando o reflexo de seu próprio rosto ao fotografar esculturas que seriam vendidas

(Divulgação)

A cronologia do golpe

• As investigações da PF revelam que o elo entre golpismo e falsários é Ailton Gonçalves Barros, um major expulso do Exército por abuso e desacato, que intermediou a fraude.

• Nas ações golpistas, ele atuou subordinado ao general Braga Netto para pressionar os comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Batista Jr. a aderirem ao golpe.

• Frustrada a tentativa, Ailton passou a constranger os dois com postagens agressivas nas redes sociais e manifestações em frente às residências dos oficiais.

• Uma leva de 27 depoimentos, com 250 páginas, cujo sigilo foi retirado pelo ministro Alexandre de Moraes na semana passada, demonstra que o Brasil esteve muito próximo de um novo golpe militar, conforme relataram à PF Freire Gomes e Batista Jr..

• Os dois escancararam a pressão que sofreram de Bolsonaro. Pela versão dos dois militares, o ex-presidente só recuou, “assustado”, depois que Freire Gomes, ameaçou prendê-lo.

Ao abrir a reunião ministerial de segunda-feira, 18, o presidente Lula disse que o País esteve muito próximo da quebra da normalidade. “Se há três meses, quando a gente falava em golpe, parecia apenas insinuação, hoje temos certeza que o País correu sério risco de ter um golpe em função das eleições de 2022”.

Lula acha que o golpe não foi consumado porque as Forças Armadas não aceitaram e Bolsonaro ficou com medo.

“O ex-presidente é um covardão. Não teve coragem de fazer aquilo que planejou. Fugiu para os Estados Unidos na expectativa de que fora do País o golpe poderia acontecer porque eles financiaram as pessoas (acampadas) na frente dos quartéis”.
Presidente Lula

A cronologia das investigações mostra que até 20 de dezembro de 2022, o movimento pelo golpe foi intenso e envolveu na articulação tanto as Forças Especiais do Exército, os chamados Kids Pretos, quanto um núcleo político do PL, formado pelo presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, os senadores Luiz Carlos Heinze e Marcos Pontes e a deputada Carla Zambelli que, sem escrúpulos, pediu ao então comandante da Força Aérea “que não deixasse o presidente na mão”.

O golpe naufragou com a recusa de Freire Gomes e da maioria dos generais do Alto Comando do Exército.

“Conspirou” também contra os golpistas a falta de apoio externo, especialmente da posição contrária manifestada do presidente dos EUA, Joe Biden.

Em julho de 2022, diante de rumores, ele enviou ao Brasil o secretário de Defesa, o general Lloyd Austin, que participou da Conferência de Ministros da Defesa das Américas, em Brasília, e fez chegar aos militares a posição americana, segundo a qual, o continente precisa de forças “prontas, capazes e sob firme controle civil”.

Gabriela Biló

TENTATIVA DE GOLPE
A PF diz que Bolsonaro sabia que os ataques eclodiriam no 8 de janeiro, mas preferiu viajar para a Flórida, nos Estados Unidos, para aguardar o desfecho da tentativa golpista; o tenente-brigadeiro Batista Júnior diz que ao ouvir de Freire Gomes que seria preso se assinasse o decreto de GLO Bolsonaro ficou assustado

OUTROS CRIMES

Encerrada em outubro do ano passado, a CPMI do 8 de janeiro terminou com 61 indiciados, 12 deles alvos da mais recente operação da PF, a Tempus Veritatis, e um relatório que, segundo a senadora Eliziane Gama, será usado pela PGR na análise das denúncias que serão oferecidas contra Bolsonaro e implicados na trama golpista

À frente do grupo Prerrogativas, o advogado Antônio Carlos de Almeida, o Kakay, acha que Bolsonaro deve contar com a presunção de inocência, mas alerta que o ex-presidente entrou por um terreno perigoso ao abrir mão da defesa técnica e focar nas manifestações políticas.

Ao estimular as massas a seu favor como estratégia de proteger a liberdade, Bolsonaro pode acabar justificando uma prisão preventiva por obstrução das investigações.