O interventor Lula

Crédito: Brenno Carvalho

Carlos José Marques: "Na terceira edição de um governo claudicante, Lula está cada dia mais rançoso, intervencionista, ultrapassado e fora do tom" (Crédito: Brenno Carvalho)

Por Carlos José Marques

Lula não perde o cacoete. Aprimora o. Meter a mão e o bedelho na rotina de empresas lucrativas parece ser o seu esporte favorito. E o faz com uma desenvoltura assombrosa. Mesmo que signifique abalos perigosos na cotação dessas companhias e na credibilidade que elas ostentam. Nos últimos tempos, com uma assiduidade e apetite inigualáveis, o mandatário mirou não apenas a Petrobras, sua preferida de tempos imemoriáveis (que deu combustível a um propinoduto sem precedentes), como a Vale do Rio Doce – onde primeiro tentou impor o emissário e chapa, ex-ministro Guido Mantega, no comando, e depois foi maquinando para mudanças no estatuto –, a Eletrobras e por aí adiante. A mão pesada vai em todas as direções: da intervenção nos preços e tarifas à manipulação e pressão na escolha de dirigentes. Para o demiurgo de Garanhuns, o conglomerado da produção que traz a União como parceira faz parte de um grande complexo econômico hoje orbitando no espaço do seu latifúndio de poder, uma espécie de ecossistema Lulabras com o qual ele pode jogar, tirar vantagens e movimentar peças a bel-prazer. É, na prática, a reedição do surrado cacoete político do nacional-desenvolvimentismo, no qual o Estado (no caso, Lula em pessoa) é o condutor e árbitro dos planejamentos e decisões de cada uma dessas unidades. Na terceira edição de um governo claudicante, Lula está cada dia mais rançoso, intervencionista, ultrapassado e fora do tom. Talvez decorra daí, ao menos em parte, as quedas acentuadas nos índices de popularidade. Na gigante da mineração Vale do Rio Doce, o alvo da vez, ele vem sapateando como quer e pode. Foram derrubadas restrições que existiam para o governo e outros acionistas indicarem o presidente da empresa. Antes, o nome sugerido que fosse ligado, por qualquer vínculo, com os detentores de papéis era vetado. Não mais. Um dos conselheiros chegou a pedir renúncia, há dias, por entender que o processo estava contaminado e por não acreditar mais no que chamou de “honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa”, segundo as suas próprias palavras. Decerto é algo que, não apenas na Vale como nas demais vem maculando a rotina e imagem das organizações que ainda possuem uma perna estatal, produzindo efeitos desastrosos, inclusive junto à comunidade internacional que transaciona bilhões em encomendas e acordos com elas. Estamos diante de um sócio muitas vezes majoritário dando passos improvisados, nada profissionais, para ampliar indevidamente sua influência. No mamute do petróleo, Petrobras, a mais nova polêmica diz respeito à orientação dos dividendos, que teve o dedo direto de Lula, como admitiu Jean Paul Prates, que dirige a companhia. As constantes interferências criam dissidências, alimentam especulações e desinformações. E o pior é que vêm sendo uma constante de uns tempos para cá, sem sinais de que irão cessar. O presidente parece viciado na prática. Não larga mão de se achar uma espécie de CEO onipresente e executor dos destinos dessas organizações. Na Eletrobrás, o petista contesta até mesmo a privatização, que considera “um escárnio” e resolveu excluir a empresa do Programa Nacional de Desestatização. Atualmente o Estado tem pouco mais de 40% das ações, mas Lula age ali, como nas demais, tal e qual um dono absoluto. Na pele de um dinossauro voraz, ele vai prejudicando sistematicamente o País nessa toada. Fato: o mandonismo governamental nos rumos internos das empresas fere de morte as esperadas práticas de transparência e de lisura administrativa, que pautam a era ESG. Numa visão caquética do papel público, a gestão Lula tem mergulhado de cabeça em um conceito populista e demagógico que em nada auxilia no desenvolvimento nacional. Foram de movimentos assim que, lá atrás, surgiram evidências de corrupção, escândalos de desvios e de rombos bilionários. Está nas cartilhas das melhores corporações: a tutela gerencial por entes federativos é o caminho mais rápido para a intimidação ideológica e para as destrambelhadas escolhas que deixam companhias vulneráveis, ampliando incertezas e a fuga de capitais que possibilitariam o crescimento dos investimentos. A conduta por essa trilha equivocada já tem cobrado um preço elevado. A desvalorização das ações virou uma constante. O Brasil tem perdido excelentes oportunidades de turbinar o seu parque industrial com recursos de fora, dada a desconfiança de que atitudes assim produzem. O controverso pacote Nova Indústria do Brasil de concessões de incentivos e financiamentos segue na mesma direção centralizadora, muito embora com um verniz modernizador que, na prática, não esconde os verdadeiros propósitos. Há um desconforto notório na praça e na iniciativa privada em geral com essa saída escolhida pelo inquilino do Planalto. Ele deveria rever atitudes e propósitos pelo bem do País. Participação estatal não deveria combinar com personalismo operacional como deseja o mandatário. Ao contrário. Seria muito boa a concessão de maior autonomia para decisões operacionais, que deveriam ficar longe dos gabinetes de Brasília.