Comportamento

Moda social: como marcas e estilistas estão dando oportunidade a vulneráveis

Marcas e estilistas apoiam cooperativas de costureiras, mães solo e artistas usuários de rede de saúde mental, garantindo independência financeira e autoestima a pessoas em situação de vulnerabilidade

Crédito: Silvia Zamboni

Fabiana Barbosa, estilista, e artesãs do Movimento Eu Visto o Bem: cinco núcleos produtivos em penitenciárias e mais de 600 mulheres ressocializadas (Crédito: Silvia Zamboni)

Por Ana Mosquera

Muito além do uso de tecidos compostáveis, como algodão, seda e linho, tecnológicos, como o chinês que reflete até 90% da luz solar, e do tingimento natural, com casca de cebola e urucum, um dos pilares da moda sustentável é o social. Cresce o número de marcas, estilistas e plataformas que abrem os olhos para o papel da área como ferramenta de transformação, ao empregar parcelas vulneráveis da população, como mães solo, portadores de transtornos mentais e mulheres encarceradas. Além de colaborar para a geração de renda e a reinserção de indivíduos na sociedade, a valorização de costureiras, artistas e outros trabalhadores contribui para a discussão sobre temas importantes, como saúde mental, dependência química, maternidade, desigualdade social e questões de gênero.

A marca IDA e o brechó virtual Enjoei acabam de lançar uma coleção colaborativa, em que peças estagnadas na plataforma, que iriam para o lixo, passaram por processo de upcycling pelas mãos de mulheres do Movimento Eu Visto o Bem (MOVI). Desde 2016, o projeto atua na ressocialização de detentas e ex-detentas do Sistema Prisional de São Paulo. Uma segunda chance para as roupas e indivíduos.

“A moda é tão versátil que por meio dela existe a real possibilidade de capacitar e reinserir um grande número de pessoas, especialmente mulheres, e de fato impactar positivamente suas vidas”, comenta a estilista Fabiana Barbosa.

O valor arrecadado é integralmente destinado à instituição e 50% do que as mulheres recebem vai para alimentação e educação dos filhos. Além de independência financeira, constrói autonomia.

“Hoje eu sei o valor da mão de obra. Faz toda a diferença, porque aprendemos que, com a costura, conseguimos ganhar o mundo. Também aprendemos sobre a sustentabilidade do planeta, a reciclar em casa, a pensar no próximo. O projeto nos resgata de um lugar que ninguém imagina e nos ensina que somos iguais”, diz Danielle Cristina Santos Ribeiro, costureira líder de produção.

“Elas são arrimo de família e quando há oportunidade de profissionalização e geração de renda, encontramos uma família completamente restabelecida”, diz Roberta Negrini, fundadora e CEO do MOVI. São cinco núcleos produtivos em cinco penitenciárias e mais de 600 mulheres ressocializadas. “87% delas não voltam a cometer delitos após um ano no movimento.”

Respeito à singularidade: parceria da IDA com Enjoei dá nova chance a roupas e pessoas (Crédito:Divulgação )

Arte e saúde mental

Outra iniciativa que contribui com grupos em situação vulnerável é a Psicotrópica. Além de empregar cooperadas de Diadema (SP) na costura das peças artesanais, a marca é idealizadora do Surto Criativo, projeto dentro da Rede de Saúde Mental que permite aos artistas usuários a criação de estampas, assim como traz visibilidade ao seu trabalho, gerando renda também pela venda de quadros e camisetas com frases sobre o tema.

“Todo mundo tem um pouco de loucura” diz uma das blusas, com citação de Nise da Silveira, psiquiatra líder na luta antimanicomial no País.

“Ao romper as bolhas e trazer novos artistas, que são marginalizados, e falar sobre saúde mental, promovemos uma sociedade melhor, mais inclusiva e menos preconceituosa, que aceita as diferenças e incentiva debates sobre o assunto”, diz a fundadora Raiana Pires.

Assistente social de formação, foi nos anos de trabalho no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que vislumbrou o poder da arteterapia não só como “potência de vida”, em suas palavras, mas para geração de renda. Entre os ícones do projeto está Arthur Bispo do Rosário, artista plástico brasileiro portador de esquizofrenia, que viveu mais de 50 anos em instituições psiquiátricas.

Herculania Reis, costureira: trabalho com a Trama Afetiva leva alimento, cultura e educação à família (Crédito:Divulgação )

Vida nova

A estilista Flavia Aranha destina retalhos de sua produção para cooperativas do Brasil, onde são transformados em tecidos ou mantas que retornam ao ateliê para compor novos modelos.

A Trama Afetiva emprega costureiras que exercem a maternidade solo, além de contribuir com 300 famílias de catadoras que trabalham na reciclagem de guarda-chuvas destinados à confecção de blusas, shorts, bolsas e afins.

Para o diretor criativo Jackson Araújo, a sustentabilidade financeira é a chave da reintegração social.

“A moda tem impacto no meu sustento. Com ela, complemento a renda da casa para alimentação, educação e cultura da minha família”, confirma Herculania Reis, costureira de Taboão da Serra (SP). É um universo que precisa deixar de ser poluente e excludente para pensar não só na roupa, mas no material humano. “A moda tem reparações históricas a fazer, especialmente nas questões ligadas à autoestima e distúrbios de autoimagem”, diz Araújo.

Surto Criativo: pinturas de artistas usuários da Rede de Saúde Mental viram estampas da Psicotrópica (Crédito:Luca Oliva)