Humor nos tempos de excesso

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Laira Vieira: "Em tempos de incerteza e polarização, talvez seja necessário um lembrete de que não podemos perder nosso senso de humor frente à tragédia — pois o humor representa nossa humanidade" (Crédito: Divulgação)

Por Laira Vieira

Numa época em que parte do mundo está em guerra, e quem não for politicamente correto corre o risco de cancelamento, é apropriado revisitar o filme Jojo Rabbit (2019) – disponível no Star –, que emerge como uma obra audaciosa, desafiadora e irresistivelmente única. Dirigido e escrito por Taika Waititi (Boy, Thor: Amor e Trovão), o filme mergulha nas águas turbulentas da Segunda Guerra Mundial, em uma mistura provocante de comédia e drama.

A história segue Jojo, um jovem alemão de 10 anos, cuja lealdade fanática ao regime nazista é posta à prova quando ele descobre que sua amada mãe (interpretada por Scarlett Johansson) está escondendo uma jovem judia no sótão — para ajudá-la.

O que torna a película tão notável é sua abordagem única ao retratar Adolf Hitler (interpretado por Taika Waititi) como um amigo imaginário de Jojo (Roman Griffin Davis). Essa representação surreal e irônica do ditador mais infame da história – até o momento – levanta questões profundas sobre os limites do humor e da representação histórica.

Na obra, o humor é usado da melhor maneira possível: como uma ferramenta para explorar temas sombrios e complexos, como fanatismo, intolerância e a perda da inocência; mesmo quando isso significa confrontar o desconforto e tabus, e desafia a noção de que certos temas estão fora desse escopo. É arriscado humanizar Hitler e retratá-lo como um personagem cômico, ou é uma maneira de desmascarar sua monstruosidade e destacar o absurdo de suas crenças, de uma forma leve e acessível? Jojo Rabbit nos lembra que o humor é uma arma poderosa, capaz de gerar mudanças sociais e desafiar a tirania, e da necessidade urgente de empatia e compreensão em um mundo cada vez mais dividido — e assim, podemos apreciar a sátira que expoe a absurda ideologia nazista ao ridículo.

O longa-metragem nos desafia a repensar nossas próprias visões e preconceitos, enquanto nos alerta da urgência de manter viva a chama da liberdade de expressão. Talvez esteja na hora de algumas pessoas encararem o humor como Chris Rock encarou aquele tapa do Will Smith, na cerimônia do Oscar de 2022 — sem vacilar. Um episódio lamentável, mas que abriu um diálogo sobre os limites do humor.

Então, enquanto rimos – sem culpa – com Jojo e seu amigo imaginário, também somos lembrados das consequências devastadoras do fanatismo e da ignorância. A obra não é apenas uma comédia irreverente, mas um lembrete doloroso da fragilidade da humanidade e da importância de escolher o amor sobre o ódio. Em tempos de incerteza e polarização, talvez seja necessário um lembrete de que não podemos perder nosso senso de humor frente à tragédia — pois o humor representa nossa humanidade. Assista, ria, e questione.