Cultura

A esquerda no divã: livros e documentário discutem liberdade e capitalismo

Como reagir diante da ascensão da extrema-direita? Pensadores progressistas discutem os rumos da sociedade mundial em tempos de radicalismo e polarização

Crédito: Anonymous

Noam Chomsky: defensor da ideologia de esquerda desde a juventude (Crédito: Anonymous)

Por Felipe Machado

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, muitos pensadores diziam que conceitos de direita e esquerda não mais existiriam em um mundo onde a democracia ocidental havia prevalecido. A vitória do capitalismo sobre o socialismo, representada pela desintegração da União Soviética, anunciava uma conjuntura em que o pensamento ideológico e econômico estaria, de certa forma, pacificado. O livro O Fim da História, do historiador Francis Fukuyama, não garantia que eventos históricos nunca mais ocorressem, como muitos analistas erroneamente interpretaram à época, mas afirmava que o caminho para um mundo mais homogêneo estava traçado, uma vez que as sociedades haviam rejeitado o autoritarismo e aceitado que as democracias liberais fossem a forma definitiva e justa de governança.

Fukuyama superestimou a capacidade humana de aprender com os próprios erros. Mais certo estava Karl Marx, que assegurou que a história se repetia, primeiro como tragédia, depois como farsa. Poucas imagens confirmam tão claramente essa tese como a de um ato ocorrido em Roma, em janeiro desse ano, quando uma multidão se reuniu para saudar o fascismo — um século após a criação do movimento liderado por Benito Mussolini.

A verdade é que, de Donald Trump, nos EUA, a Viktor Órban, na Hungria, passando por Jair Bolsonaro, no Brasil, a extrema-direita voltou com força. A esquerda, que por décadas acreditava ter o monopólio das ruas, ficou atônita. Como é possível o povo eleger políticos da extrema-direita?

A questão deixou muita gente confusa — principalmente os pensadores da esquerda. Teóricos acostumados a “saber o que o povo quer” parecem estar atônitos. Perdidos, em bom português.

O complexo panorama político atual — turbinado pelos algoritmos que alimentam a polarização das redes sociais — é um cenário perfeito para uma série de autores de esquerda apresentarem ideias a respeito da situação em que vivemos.

Contra os bilionários

Maior teórico vivo da esquerda, Noam Chomsky é professor de Linguística do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT). O intelectual, de 95 anos, expõe suas ideias no recém-lançado documentário Utopia Tropical, dirigido por João Amorim, filho do assessor especial internacional do presidente Lula e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que também participa do filme.

Mas é outro lançamento que reproduz as ideias do pensador norte-americano de forma mais abrangente. É o livro O Essencial Chomksy, organizado por Anthony Arnove. Contendo 25 ensaios, entre eles seus textos mais conhecidos, como Hegemonia ou Sobrevivência e Estados Fracassados, cujos temas incluem críticas à mídia corporativa, repulsa ao intervencionismo norte-americano e defesa dos direitos humanos, bandeiras sempre caras à esquerda.

“Muitos se inspiram no exemplo de Chomsky com razão. Ele nos lembra de um mundo que vê os EUA por meio das lentes da Fox News”, afirma Arnove, no texto de apresentação da obra.

O senador Bernie Sanders e o professor Yascha Mounk: críticas ao supercapitalismo e elogios ao bem-estar social (Crédito:Carolyn Kaster)

A direita caminhou tanto para o extremo que analistas político-econômicos que seriam considerados de centro há alguns anos hoje são apontados como “comunistas”.

É o caso do alemão Yascha Mounk, eleitor da esquerda e autor de O Povo Contra a Democracia e O Grande Experimento – Por que as Democracias Diversificadas Fracassam e Como Podem Triunfar. Apesar da análise equilibrada, o professor da Universidade Johns Hopkins, costuma criticar o autoritarismo dos progressistas na imposição de pautas identitárias.

(Divulgação)

Outro norte-americano que chama a atenção por sua liderança na esquerda acaba de publicar uma nova obra. Tudo bem Ficar com Raiva do Capitalismo, do senador Bernie Sanders, traz uma mensagem contundente para os dias de hoje: bilionários não deveriam existir.

O político critica o supercapitalismo, que enriquece os “oligarcas americanos” enquanto amplia a desiguldade entre o restante da população.

Sanders defende a reforma do sistema, nos moldes dos governos da Escandinávia. Para sustentar sua posição, foi buscar inspiração no presidente Franklin Roosevelt (1882-1945): “A verdadeira liberdade individual não pode existir sem segurança econômica e independência”. Hoje, por mais incrível que possa parecer, Roosevelt seria considerado um comunista pela Fox News.