Brasil

Retrocesso na Câmara: conservadores tomam a CCJ, o Orçamento e… a pauta

Numa das maiores demonstrações de força da direita no Congresso, o bolsonarismo passa a controlar as comissões mais importantes da Câmara, com a eleição dos deputados Caroline de Toni e Nikolas Ferreira para a CCJ e Educação: o ex-presidente abre caminho para a anistia e Lira flerta com radicais

Crédito: Brenno Carvalho

Caroline de Toni fez questão de mostrar em diversas ocasiões seu apoio ao armamentismo. Ela afirma que não vê problemas em colocar na pauta da CCJ um pedido de anistia a Bolsonaro (Crédito: Brenno Carvalho)

Por Vasconcelo Quadros

As comissões temáticas permanentes da Câmara são passagem obrigatória das decisões que mudam a vida da República. Um exemplo disso foi a decisão do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) que, em 2016, com respaldo de líderes partidários que dominavam essas comissões, colocou em pauta o pedido de impeachment que derrubou a então presidente Dilma Rousseff. Mas, na semana passada, numa demonstração de força dos conservadores que, fortalecidos pelo bolsonarismo, alcançaram um feito histórico: o comando simultâneo dos mais importantes colegiados da Casa, entre eles…
• a poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ),
• o controle da pauta legislativa,
• e o controle do Orçamento deste ano.

Encurralado por investigações que o colocam no centro da tentativa de golpe em 2022, Jair Bolsonaro comemorou. Afinal, a CCJ passou a ter na presidência a deputada da extrema-direita Caroline de Toni (PL-SC), cuja tarefa principal é abrir caminho para que a Câmara vote um projeto de anistia para o ex-presidente que, mesmo exercendo a ampla defesa e a presunção da inocência, dificilmente se livrará de uma condenação e da cadeia, ainda que a direita controle o Congresso.

(Divulgação)

Foi um retrocesso e tanto para uma Câmara que já tinha a composição mais conservadora da história recente do País e onde temas de gênero e intermináveis debates genéricos em torno de leis mais duras contra a criminalidade têm sido a tônica.

Na primeira entrevista logo depois de eleita, a deputada afirmou candidamente que não enxergava problemas em colocar na pauta a anistia aos golpistas envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, demanda que Bolsonaro já havia sinalizado ao discursar durante a manifestação na Avenida Paulista.

A estratégia de Bolsonaro é clara: caso o projeto do senador Hamilton Mourão naufrague, a bancada do PL na Câmara tentaria emplacar uma proposta de resolução legislativa extensiva a todos os golpistas do 8 de janeiro, deixando de fora só os que foram flagrados em atos de vandalismo.

O ex-capitão sabe que, depois das revelações dos generais que ele tentou cooptar para dar o golpe, não tem mais escapatória. Foi por essa razão que orientou o PL a bancar a indicação da deputada.

O primeiro trabalho de Caroline foi avaliar os 12 projetos de anistia que chegaram à CCJ, um dos quais estava sob a relatoria da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que já não faz parte da comissão.

Quem é a extremista Caroline de Toni

No exercício do segundo mandato, Caroline está entre os mais radicais da direita.

• Foi aluna do guru de Bolsonaro, o filósofo Olavo de Carvalho, falecido em janeiro de 2022,
• é armamentista – chegou a posar com um fuzil atravessado no peito em 2020 ­—,
• e encabeça a defesa das pautas da extrema-direita, se posicionando contra o aborto, vacinas, descriminalização das drogas e até pelo fim de cotas femininas nas eleições.

Em 2020, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), o ministro Alexandre de Moraes decretou a quebra do sigilo bancário da deputada, suspeita à época de financiar atos antidemocráticos em Brasília.

A bolsonarista catarinense substituiu o deputado Rui Falcão (PT-SP) e se beneficiou de um acordo de alternância entre as duas maiores bancadas no comando da CCJ.

O coordenador do governo na comissão, Rubens Pereira Júnior (PT-MA) afirma que a esquerda não deixará que temas como a anistia ou propostas ideológicas que possam ameaçar o governo ou o judiciário sejam pautados.

“O princípio da proporcionalidade é caro ao PT. Mas nós temos votos para evitar os temas panfletários ou ideológicos”.

Sem resistência digna de registro por parte da esquerda, a indicação de Caroline foi negociada entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o líder do PL, Altineu Côrtes (RJ), que não aceitou a sugestão de apresentar um nome menos polêmico.

Se é que tenha tentado evitar que o comando da CCJ fosse entregue a uma bolsonarista radical, a mediação de Lira, que tem a prerrogativa de derrubar ou acatar as indicações, parou por aí.

(Agencia Enquadrar)

Deputado de peruca

O que veio pela frente nas escolhas para as demais comissões beirou à bizarrice.

O PL passou a comandar outros quatro colegiados, entre os quais a Comissão de Educação, para a qual foi eleito o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), o mais votado do país em 2022. Fervoroso bolsonarista, conservador radical e um dos campeões no quesito provocações, aos 26 anos, formado em Direito, Nikolas não tem qualquer intimidade com Educação, mas é conhecidíssimo por manifestações e falas racistas, homofóbicas e transfóbicas.

Em 8 de março do ano passado, data escolhida a dedo por ser o Dia Internacional da Mulher, ele conseguiu atrair os holofotes ao subir à tribuna da Câmara vestindo uma peruca loira oxigenada para dizer que se sentia uma mulher transexual, dizendo que isso lhe garantiria “lugar de fala” no parlamento.

O deputado tentou justificar a atitude, afirmando que as “mulheres estavam perdendo espaço para homens que se sentem mulheres”, um gesto cujo objetivo, na verdade, foi constranger e provocar duas deputadas trans, Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP).

Um provocador em busca de cinco minutos de fama, o preconceituoso Nikolas Ferreira subiu à tribuna da Câmara de peruca e é processado por expor uma adolescente com vídeo gravado dentro de um banheiro em Belo Horizonte (Crédito:Divulgação )

Nikolas está sendo processado ainda pelo STF por ter chamado Lula de “ladrão” e já foi condenado por injúria racial pela Justiça mineira por ter se recusado a citar o nome feminino de Duda, em 2020, quando os dois eram vereadores em Belo Horizonte.

Além de ter sido alvo de um pedido de cassação do mandato, arquivado pela Câmara, o deputado terá de pagar R$ 80 mil de indenização por danos morais à sua colega.

O deputado presidiu a primeira sessão como presidente da Comissão de Educação na quarta-feira, 13, onde procurou afastar as divergências. Conseguiu uma trégua com Duda, mas ouviu ríspidas críticas de Sâmia Bomfim, que lamentou a entrega da presidência da comissão para “alguém que não tem nenhum compromisso com a Educação, com histórico de terraplanismo e de distração de temas fundamentais para a sociedade”.

Ele pretende retomar projetos polêmicos, como o do homeschooling (ensino doméstico).

Pelas redes sociais, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, responsabilizou Lira pela indicação, disse que a Câmara, e não o governo, pagará um preço alto por permitir que a CCJ tenha sido entregue para uma radical de direita e a da Educação “para um mal-educado”.

“Isso depõe contra as instituições, mas não tem como intervir. O presidente da Casa deveria ter tentado fazer isso”, disse Gleisi, se referindo à passividade com que Lira aceitou a imposição do PL.

Para Lira, que sempre anda com um pé em cada canoa, as escolhas o ajudam a manter o governo emparedado e facilitam os pleitos por dinheiro de emendas parlamentares e a continuidade de sua liderança.

De quebra, Lira conseguiu indicar o deputado Júlio Arcoverde (PP-PI), um dos seus aliados, para presidir a Comissão Mista do Orçamento (CMO). Esse colegiado tem a função de definir a divisão dos recursos federais para ministérios e para as emendas.

Com isso, a influência de Lira cresce ainda mais no Congresso e deixa Lula dependente dele.

“Não vejo problema em pautar a anistia aos envolvidos nos eventos ocorridos em 8 de janeiro de 2023.”
Carolina de Toni, deputada federal

Bancada de bala

Na Comissão de Segurança, amplamente dominada pela bancada da bala, que preencheu os 27 cargos com nomes bolsonaristas originários de instituições policiais e militares, a surpresa ficou por conta da escolha do deputado Alberto Fraga (PL-DF), coronel da reserva da PM de Brasília, defensor intransigente de ações e leis mais duras no combate à criminalidade.

Na primeira sessão que presidiu, na terça-feira, 12, Fraga adotou um tom moderado e conseguiu adiar a votação de um requerimento de seu antecessor, o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS), que queria convocar o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para explicar a fuga de dois criminosos do Comando Vermelho da prisão federal de Mossoró (RN) e tratar de seu plano de segurança.

Maior reduto bolsonarista do Congresso, o colegiado protagonizou um longo período de confronto com o ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, o mais novo ministro do STF, que nunca se dobrou aos radicais e nas vezes que foi ao Parlamento protagonizou grandes embates.

Em um deles, ironizou o senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirmando que se o parlamentar era da Swat, como gostava de se apresentar, “eu sou dos Vingadores”.

Na primeira audiência com Lewandowski, na terça-feira, Fraga elogiou o ministro, dizendo que ele era diferente de seu antecessor e mais aberto ao diálogo. “Falei isso pra ele, que o Flávio Dino era arrogante, o contrário dele. Ele conversa, entende os argumentos”.

De concreto Fraga arrancou do ministro a promessa de comparecer à comissão assim que retornar de uma viagem a Chicago (EUA) na semana que vem, mas sem data definida.

Defensor de leis duras contra o crime e a flexibilização das armas, Alberto Fraga disse a Lewandowski que ele é diferente de Flávio Dino e será bem recebido na Comissão de Segurança Pública (Crédito:Ato Press)