Editorial

O que virá dos EUA?

Crédito:  Brendan Smialowski And Jim Watson/AFP

Carlos José Marques: "O embate Biden/Trump quase pode representar a luta do bem contra o mal" (Crédito: Brendan Smialowski And Jim Watson/AFP)

Por Carlos José Marques

Trump e Biden estão confirmando nas prévias seus esmagadores favoritismos partidários entre republicanos e democratas e, mais do que o repeteco das eleições passadas, há quatro anos, o mundo se pergunta, ficando perturbado, sobre o que pode sair das urnas na nova peleja. O Biden alquebrado, com sinais de decrepitude que incomoda, mas uma economia que gira a seu favor, seria para os espectadores de fora a alternativa mais digerível, de um continuísmo que ao menos impede o avanço das ideias tresloucadas do opositor. Trump, todos sabem, todos viram, é o retrato bem-acabado da insanidade administrativa sem limites. Com cerca de treze processos criminais nas costas, acusações assombrosas que vão de assédio a desvio de documentos sigilosos da Casa Branca, ele é, em última análise, um anarquista que pode e quer colocar o planeta de ponta-cabeça.

Incrementará, com certeza, os movimentos xenófobos, prometendo retomar a construção dos muros para impedir imigrações. Acirrará ainda mais os conflitos internacionais que hoje pautam perigosamente as relações internacionais e, igualmente importante, ao menos para os brasileiros: vai ampliar suas retaliações e cessar eventuais acordos comerciais de interesse mútuo, devido à clara oposição que faz ao governo daqui atualmente no comando do Planalto. Em outras palavras: Trump encarna a soma completa de todos os males. E não se trata de mera percepção. Os fatos estão postos. O embate Biden/Trump quase pode representar a luta do bem contra o mal. A corrida é apertada. Os índices de aprovação de ambos seguem lado a lado. As primárias ainda não terminaram oficialmente, estamos a meses das convenções democratas e republicanas, mas o confronto eleitoral entre os dois se aproxima e o que deverá definir a vitória de um deles será, principalmente, os rumos futuros da economia interna. Por enquanto, nesse pormenor, ainda ponto para Biden, embora nada garanta que assim permanecerá.

As eleições nos EUA é uma revanche única na história daquele país porque traz uma disputa entre o atual presidente e seu antecessor imediato – algo que lá nunca se viu. Dois mandatários disputando voto a voto muda a natureza da corrida e deve virar quase um referendo sobre a antiga e a atual gestão, segundo especialistas locais. Trump, sem a menor sombra de dúvida, partirá ao ataque no seu estilo demolidor, por vezes mentiroso e baixo. Biden não possui muita habilidade nesse terreno. Os problemas jurídicos do oponente, as tentativas de minar os resultados das eleições passadas, a invasão do Capitólio (com o seu indisfarçável, mal velado, dedo) e a retórica francamente belicista sugerem cautela aos que acham que Trump leva essa com facilidade. Novas armadilhas à candidatura dele devem surgir pela frente. Os americanos não dizem abertamente que desejam a volta dessa polarização, mas, ao que tudo indica, caminham de novo para ela, em um cenário surreal. Em sua campanha, Trump já alinhou no mínimo 15 promessas, dentre elas a da revogação de regras contra poluição de automóveis, a da ampliação da pena de morte, a do fechamento do Departamento de Educação e do financiamento público a escolas que ensinam teoria racial e de ideologia de gênero, e uma revisão na assistência médica que tiraria do ar o bem- sucedido programa do Obamacare. Trump é um anárquico por natureza e seu pacote de palanque traz, como previsível, medidas radicais que fizeram, por aqui na região, mais recentemente, a vitória do argentino Javier Milei. Em todos os continentes, é sabido, o avanço da direita extremista virou realidade assombrosa. No caso dos EUA, é previsível, uma reedição administrativa de Trump deve mergulhar em violações as mais variadas cláusulas constitucionais, afetando inclusive a estabilidade do chamado mundo livre. Na política externa, Trump, que já vem fazendo pesados ataques ao países membros da Otan, avisou que, caso eleito novamente presidente, não deverá cumprir o princípio de defesa coletiva da aliança, encorajando assim a Rússia, por exemplo, a fazer “tudo o que quiserem”, nas palavras que ele mesmo usou. Não há ainda parâmetro sobre as consequências nefastas que podem advir das urnas norte-americanas, muitos líderes internacionais e autoridades do planeta estão segurando a respiração e esperando pelo pior. Que as previsões e expectativas não se confirmem. Daqui a poucos meses sairá o veredicto. É esperar para ver.