Política

“Já há elementos suficientes para prender Bolsonaro”, diz senadora Eliziane Gama

Crédito: Gabriela Biló/Folhapress

“O 8 de janeiro foi o último suspiro inspirado na ideia bolsonarista. Não deu certo porque a população, mesmo os que votaram em Bolsonaro, não concordaram como golpe”, diz a senadora Eliziane Gama (Crédito: Gabriela Biló/Folhapress)

Por Vasconcelo Quadros

Presidente da CPMI do 8 de janeiro, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) afirma que o relatório que produziu no Congresso e as investigações da Polícia Federal se complementam na certeza de que Jair Bolsonaro é a figura central da tentativa de golpe de Estado para impedir a posse de Lula e se perpetuar no Poder. Ela acha que o que já foi descoberto é suficiente para a prisão do ex-presidente, mas defende o aprofundamento das investigações. Segundo a senadora, em vez de demover, o ex-capitão incentivou e incendiou as massas da direita se utilizando de uma estratégia conhecida como “apito de cachorro”: a pregação, sem qualquer prova, sobre fragilidade das urnas e fraudes eleitorais. A força das instituições, a falta de apoio popular, das Forças Armadas e dos Estados Unidos, diz a senadora, evitaram a ruptura democrática. Eliziane está buscando o apoio do partido para disputar a presidência do Senado, embora reconheça que a maior estrela do PSD, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, já tenha fechado acordo com Davi Alcolumbre para sucedê-lo.

O que há em comum entre o trabalho da CPMI e o da PF?
O ponto central é a seriedade do trabalho e o aprofundamento da investigação. Das 24 pessoas que aparecem agora na última ação da PF, 12 foram investigadas pela CPMI, com indiciamento ou pedido de aprofundamento das apurações, como é o caso do possível autor da minuta do golpe (Felipe Martins). Acho que a PF sacramenta o trabalho que iniciamos na CPMI.

Em que isso ajuda nas investigações?
Nosso relatório foi compatibilizado e anexado na sua integralidade aos seis inquéritos iniciais do Supremo Tribunal Federal referentes aos atos golpistas. Investigações relacionadas à autoria intelectual, financiadores e executores, os agentes políticos foram compartilhados de forma imediata pelo ministro Alexandre de Moraes. Isso foi importante para a operação da Polícia Federal (Tempus Veritatis).

Do que vem sendo revelado, o que mais surpreende a senhora até aqui?
As investigações alcançaram integrantes da alta cúpula das Forças Armadas e vão indiciar essas pessoas, entre elas a do ex-presidente da República. Há uma compatibilidade muito grande entre as investigações da CPMI e as desenvolvidas pela Polícia Federal.

Qual o papel de Bolsonaro na tentativa golpista?
Não há dúvida de que sem o Bolsonaro não haveria a tentativa de golpe. O 8 de janeiro de 2023 foi o desfecho de uma ação orquestrada durante vários anos de seu governo em diferentes frentes. O ex-presidente era o maior formador de opinião do País. As informações que ele passava e as palavras que proferia, acabavam de uma forma muito vital incendiando e incentivando as tentativas golpistas pelo Brasil afora. Isso não se deu apenas depois do resultado da eleição, mas durante todo o mandato dele. Várias manifestações, com faixas e cartazes, pediam claramente intervenção militar, afrontando a Constituição, praticando crimes. O ex-mandatário participou e chegou a falar com os manifestantes, que se sentiam ancorados em sua figura. Como presidente da República à época, é personagem central em toda a trama.

“Não há dúvida de que sem o Bolsonaro não haveria a tentativa de golpe. O 8 de janeiro de 2023 foi o desfecho de uma ação orquestrada durante vários anos de seu governo” (Crédito:Mateus Bonomi )

Por que a invasão do STF, Congresso e Palácio do Planalto não se deu antes?
Como houve uma tentativa dessa manifestação mais intensa no mês de dezembro até o dia 1º de janeiro de 2023, acho que elas foram frustradas porque houve um planejamento muito ostensivo da Polícia Federal e de outros órgãos de investigação. Então, as ações acabaram não ocorrendo de fato nesse dia e sim no 8 de janeiro. Mas o ex-presidente da República, não há dúvida nenhuma, foi o ponto crucial. Como define o livro ‘Como as Democracias Morrem’, ele deu o chamado “apito de cachorro”. O que é isso? É você dar um sinal a toda uma massa. Quando se fala uma palavra sem fundamentação técnica questionando a urna, dizendo que é vulnerável, que existe fraude, mas não mostra prova, o que fica para essa massa disposta a tudo é o “apito de cachorro” que desencadeou a invasão e a quebradeira no 8 de janeiro.

Onde se encaixa a tentativa de golpe com Lula já empossado no governo?
Acho que foi mais uma demonstração de que essa massa estava disposta a tudo. O ex-presidente poderia, naquele momento, ter frustrado essa manifestação ao se pronunciar e pedir que aqueles manifestantes voltassem para casa e evitassem qualquer outro tipo de ação. As Forças Armadas não aderiram ao golpe. Pessoas da instituição aderiram, incentivaram e planejaram, sim. Nós separamos e pedimos a responsabilidade desses militares que participaram. As investigações mostram que Bolsonaro saiu do Brasil, mas continuou com as tratativas golpistas. O 8 de janeiro foi o último suspiro inspirado na ideia bolsonarista. Não deu certo porque a população, mesmo os que votaram em Bolsonaro, viram que ele perdeu e não concordaram com o golpe. As pesquisas mostraram que mais de 80% da população brasileira condenou os atos do 8 de janeiro. Ou seja, aqueles que votaram no Bolsonaro não aceitaram o golpe. Os presidentes do Congresso, do STF e do TSE reconheceram o resultado das urnas, uma postura diferente do que ocorreu em 1964, quando o então presidente do Congresso, Auro Moura de Andrade, não reconheceu o governo de João Goulart. Ele disse: “O presidente está fora do Brasil, o Brasil está em vacância e nós temos que ter um novo presidente”. (O ex-presidente João Goulart, na verdade, estava em Porto Alegre).

Qual a relação entre um e outro período?
Em 1964, havia uma conflagração nacional muito mais forte do que ocorreu no Brasil em 2022. Agora, a população não aceitou a ruptura da democracia porque a manifestação de Brasília não se repetiu nos estados brasileiros. Falou mais alto o DNA pacifista e a aceitação do resultado eleitoral confirmado pelo presidente do Congresso Nacional e pelo Judiciário brasileiro. Nós temos instituições fortes. Se a gente não tivesse, talvez eu não estaria aqui hoje conversando com você.

O golpe de 1964 está completando 60 anos. Até que ponto a anistia de 1979 refletiu em 2022?
São momentos com muitas semelhanças, mas com diferenças também importantes. Naquele momento, para haver o fim de um golpe que já se estendia por 20 anos, foi necessária uma certa contemporização para tentar se suspender o período da ditadura militar e se iniciar o que nós vivemos já nos anos 80, com Tancredo e Sarney.

O que acha da anistia para Bolsonaro e os demais golpistas que está sendo discutida no Congresso?
No momento que estamos vivenciando, que é de unificação e de reconhecimento das instituições como base do Estado Democrático de Direito, não há o mínimo espaço para qualquer tipo de anistia. Acho que hoje anistiar é pactuar com um crime terrível. Não cabe qualquer tipo de anistia, a quem quer que seja, para quem tentou o golpe de Estado. Não foi uma ação meramente amadora. Foi a tentativa de alguém que tinha conhecimento nessa área. Não se consolidou porque não era o sentimento da população brasileira.

Qual foi o papel das Forças Armadas?
A manifestação em frente aos quartéis não ocorreria sem a presença e a aquiescência de integrantes das Forças Armadas. Se eu, senadora, montasse uma barraquinha na frente do Exército, pode ter certeza que receberia uma ordem para desmontar. Lá, o acampamento ficou por mais de dois meses e foi financiado, ajustado, com vários tipos de crime ocorrendo, inclusive de violência contra a mulher, droga, armamento, tudo nas barbas das Forças Armadas!

“A minuta do golpe foi encontrada na casa de Anderson Torres não por acaso: estava lá guardadinha. Não foi de forma aleatória. Foi pensada, elaborada e construída a várias mãos” (Crédito:Mateus Bonomi )

O extremismo está sob controle?
Acho que as instituições têm o controle da situação, mas não podemos deixar de reconhecer que o ex-presidente Bolsonaro tem uma força política ainda muito grande. Basta ver a manifestação que ocorreu na Paulista. O que não pode é fazer manifestações antidemocráticas. O Brasil ainda tem uma polarização muito intensa, mas ela não pode sair da democracia, que é o ponto central.

Bolsonaro deve ser preso?
Essa é uma pergunta difícil de responder, porque vai depender muito do aprofundamento da investigação. Eu acredito que hoje, pelo processo que nós acompanhamos, há elementos suficientes sendo para que isso de fato ocorra. Bolsonaro é responsável pelo 8 de janeiro.

A minuta do decreto golpista o coloca como principal articulador?
Sim. Ele participou. Essa minuta foi discutida várias vezes, em várias reuniões, em vários momentos, inclusive com integrantes do alto escalão das Forças Armadas. Foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, não por acaso: estava lá guardadinha, num lugar especial. Não foi de forma aleatória. Ela foi pensada, elaborada e construída a várias mãos.

A senhora é candidata à presidência do Senado?
Apresentei meu nome como uma opção para o meu partido, o PSD, que é hoje o maior do País e tem a maior bancada feminina no Senado. A tradição é de que grandes partidos comandem as respectivas Casas e acho que ela vai se manter. Na última reunião do PSD pedi e houve aceitação ampla dos membros do partido, dos senadores e das senadoras, por uma candidatura própria que ainda será definida. Apresentei meu nome porque acho é hora de ter uma mulher na presidência do Congresso. Nunca tivemos isso nos 90 anos de voto feminino. Somos 12% do Senado, mas só 5% dentro da política nacional. Uma mulher na presidência do Congresso colocaria imediatamente mais mulheres na representação política.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que é do seu partido, apoia o Davi Alcolumbre (União Brasil). Não há contradição?
Pacheco tem apoio mais pessoal em relação ao Davi. É até compreensível porque o Davi também foi vital na caminhada do Rodrigo. A decisão de Pacheco é pró Davi, mas vamos lutar para uma posição dos demais membros do PSD, unificando-a em torno de uma candidatura do partido.

O que a senhora faria de diferente no Senado, caso seja eleita?
Acho que a gente tem que aproximar mais o Congresso Nacional do povo, tem que ter um nível de conversa muito maior, colocar a mulher, o adolescente dentro do Congresso e ter mais empatia com a população. Então, acho que a gente precisa trazer mais o povo pra dentro da Casa. Aproximar mais e ter uma agenda positiva para o Brasil, com respeito e harmonia entre os Poderes e um Congresso que seja mais a cara do povo brasileiro.