Internacional

Direita abala política em Portugal

O discurso populista e xenófobo da extrema-direita se alastra na Europa e seduz os portugueses, com o Chega se tornando um partido decisivo para a formação de um novo governo

Crédito: Armando Franca

Para chegar a primeiro-ministro, Luís Montenegro, da Aliança Democrática, precisará negociar com socialistas ou com extremistas de direita (Crédito: Armando Franca)

Por Denise Mirás

Encerradas as eleições, Portugal se vê diante de uma urgência: formatar uma nova “geringonça”, agora sob parâmetros de uma extrema-direita reforçada, para viabilizar o governo. Com seu discurso populista e xenófobo — espelhando o que se impõe e se alastra rapidamente pela Europa —, os radicais quadruplicaram a força do Chega, partido que passou de 12 para 48 cadeiras no Parlamento, do total de 260. Os moderados também ficaram longe da maioria: o Partido Socialista, de centro-esquerda e no comando há oito anos, não passou de 77 eleitos, atrás de seus opositores da Aliança Democrática, coligação que se auto-intitula de centro-direita e somou 79. Para viabilizar a governabilidade, alianças serão necessárias, o que Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente de Portugal, tentará promover até o dia 20 deste mês, para indicação de um novo primeiro-ministro sem precisar chamar novas eleições para novembro.

O pacto entre socialistas, comunistas e esquerda radical, em 2015, ficou conhecido por Geringonça, e se desgastou com a derrocada dos partidos tradicionais — fenômeno visto por toda Europa. Com isso, o Chega se impôs em Portugal e seu líder André Ventura quer fazer parte do governo sem se importar com as cores de alianças.

Assim, outra “geringonça” se apresenta: pela lógica, a extrema-direita se uniria à direita — no caso, Chega e a Aliança Democrática de Luís Montenegro, que almeja se tornar primeiro- ministro. Como já disse que não seria “traidor” de se aliar aos radicais, especula-se que até poderia ser substituído na liderança da AD, abrindo caminho para uma união com André Ventura. Por seu lado, o derrotado PS português teve seu primeiro- ministro António Costa investigado por corrupção no fim do ano passado, o que abalou um dos governos mais estáveis da Europa. Ele renunciou em meio a denúncias de corrupção e decidiu permanecer no cargo apenas como interino, deixando a liderança do partido com Pedro Nuno Santos.

As negociações serão complexas, como destaca Luciana Mello, professora de Relações Internacionais do IBMR-RJ e especialista em comércio exterior. Mesmo porque, observa, estará envolvido o orçamento do país: uma coligação de direita teria de trabalhar, ao menos até outubro, com aquele que foi aprovado às pressas pelos socialistas. São várias as perguntas sobre as opções político-partidárias, com respostas apenas nos próximos dias: a Aliança Democrática se uniria mesmo ao Chega para assumir o poder ou faria acordo com o Partido Socialista, ao qual fez oposição ferrenha nos últimos anos, para fazer um primeiro-ministro?

Como terceira força no país, o Chega de André Ventura virou peça-chave para a formação do novo governo (Crédito:Andre Dias Nobre)

A marcha da direita

Coincidência ou não, produtores rurais portugueses que se renderam aos argumentos populistas de “acabar com a corrupção” se uniram à marcha dos tratores que tomou a Europa e passa por onde os radicais nacionalistas aumentam vertiginosamente:
• França,
• Itália,
• Espanha,
• Romênia,
• Polônia,
• Grécia,
• Alemanha,
• e Holanda.

Os protestos chegaram até o Parlamento Europeu em Bruxelas, na Bélgica, sob risco de também ser tomado pela direita nas eleições de junho. A questão agrícola influi até no fim do apoio à Ucrânia, pela passagem de grãos desviada para territórios vizinhos que se veem prejudicados.

Para Luciana, se a economia de muitos países pode estar se recuperando “no macro”, o cidadão comum ainda não sente essa retomada no bolso, mostrando-se impaciente em tempos acelerados, quando resultados econômicos só podem ser palpáveis mais a médio e longo prazo.

E o eleitor de extrema-direita se mostra mais vulnerável ao discurso populista e radical, sempre atribuindo a culpa “ao outro”, como ao governo no Poder ou aos imigrantes, por exemplo.

Com isso, acrescenta a professora, pode-se refletir que houve um encontro inusitado e forças somadas desta geração, dos jovens do TikTok que não viveram os períodos da ditadura de Salazar com a daqueles que, à sua época, apoiavam esse tipo de governo e hoje se sentem saudosos de uma vida que acreditavam melhor.

Agricultores portugueses colocaram seus tratores na rota da extrema-direita pela Europa (Crédito:Patricia de Melo Moreira)