Cariocas e paulistas

Crédito: Divulgação

Mentor Neto: "Os lotações passam, um um sujeito põe a cabeça para fora e grita nomes de legumes: Acari! Caxambi! Inhaúma" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Essa semana estou no Rio de Janeiro.

Paulistas não estão preparados para o Rio.

Aqui todo mundo é amigo e adora uma conversa.

É a a primeira primeira diferença entre o carioca e o paulista.

Qualquer um, no Rio, conversa com qualquer outro, mesmo que seja a primeira vez que se cruzam na vida.

Já nós, paulistas não conversamos com estranhos.

Pensando melhor, nós Paulistas não conversamos nem com conhecidos.

Soube de um caso, no Capão Redondo, em que o sujeito levou 3 anos para ter o primeiro diálogo com sua mulher depois do casamento.

No Rio é diferente.

Não só eles conversam, como se importam com o assunto. Não é uma conversa despretensiosa, nada disso.

Cariocas, estranhos entre si, se envolvem nos diálogos com recém conhecidos.

Desembarco no Aeroporto Santos Dumont, entro num taxi e a conversa já está adiantada com o passageiro anterior, que havia descido.

Explico. O motorista vinha contando uma história para o passageiro, que deveria ser paulista, provavelmente. O fato do passageiro não responder e descer do veículo não impediu o motorista de continuar a história do ponto em que estava para o próximo passageiro, no caso eu.

— …aí, mehirmão, eu disse pra ela: escuta aqui ô dona, se o seu filho chamar o meu neto de gordo outra outra vez, eu vou descer a mão nesse moleque…

— Eu vou para Santa Tereza – tentei avisar o nativo. Mas ele continuou, já com o carro em movimento sabe lá Deus para onde.

— …a mulérr me olhou assustada e eu eu mandei um beliscão desses de deixar marca no braço dela.

— Rua Aprazível, 39.

—…oi? – me olhou pelo retrovisor.

— O endereço. Rua Rua Aprazível, 39.

— …então ela disse: o senhor larga do meu braço ou eu vou chamar chamar a polícia!

Coloquei o fone de ouvido com medo de me tornar cúmplice.

Pela janela, noto outra diferença entre o Rio e São Paulo.

O Rio não tem velho gordo na rua.

Os velhos do Rio são magros e caminham na orla.

Acho que os gordos como eu eles guardam nos apartamentos para não estragar a vista.

Falar em caminhar, no Rio tudo é perto.

O sujeito do hotel disse que a livraria que eu queria ir era “aqui ao lado”.

Era só sair e caminhar oito quadras para esquerda e duas para dentro.

Dez quadras no total.

Acabou que eram onze, mas eu já estava rastejando na sétima, porque o calor era tão grande que até meu calcanhar transpirava.

Nessa década eu não havia andado tanto.

Cheguei na livraria e tinha uma famosa.

No Rio eles fingem não ligar para os famosos.

Era uma famosa, famosa mesmo.

Não era famosa tipo dessas que foram desclassificadas do BBB.

Era famosa prime time. Famosa gourmet.

Se ela estivesse em São Paulo, todo mundo estaria pedindo selfies.

No Rio ninguém sequer olha para a moça.

Só eu.

Eu não não sei disfarçar.

Fiquei olhando descaradamente.

Ela olhou para mim de relance.

Fez um não de reprovação com a cabeça e foi embora.

Em São Paulo alegria tem hora marcada.

É a hora do happy hour.

Já no Rio toda hora é alegre. E cabe uma bebida no diminutivo.

Um chopinho, uma estelinha.

Se um sujeito estiver sem camisa na rua, em São Paulo, é porque foi foi assaltado.

Morador de rua paulista tem camisa.

No Rio as pessoas andam sem camisa livres de qualquer constrangimento.

Os lotações passam, um um sujeito põe a cabeça para fora e grita nomes de legumes:
– Acari! Caxambi! Inhaúma.

Não sei onde ficam esses lugares, mas devem ser mais perto do que o quarto do meu hotel.

Ida e volta são vinte e duas quadras.

O calor é sólido.

Se eu não conseguir chegar, façam um documentário sobre minha saga.

Dei o melhor de mim.