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Anistia aos golpistas: entenda como o Congresso articula uma ‘solução’

Depois de Jair Bolsonaro pedir perdão para os golpistas na Avenida Paulista, parlamentares aliados se movem para propor projetos nessa direção. A reação do governo Lula e da presidência do Senado foi imediata: haverá responsabilização e os crimes terão de ser punidos

Crédito: Edilson Rodrigues

Mourão (acima) diz que STF não individualiza a culpa dos acusados; para Wagner (abaixo), anistia seria “sinal muito ruim” do Estado (Crédito: Edilson Rodrigues)

Por  Marcelo Moreira

A s articulações estavam em andamento, mas faltava o sinal para abrir a porteiras e, oficialmente, escancarar a enxurrada de ideias que levariam ao verdadeiro “liberou geral”. Na manifestação de 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, em São Paulo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deu o aval ao pedir a “anistia” para todos os presos e condenados por conta dos atos de vandalismo e tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Estava claramente legislando em causa própria, tese reforçada com os novos depoimentos de testemunhas incriminando o ex-presidente na elaboração dos planos para o golpe de Estado. Mesmo assim, sua fala deflagrou operações de sua “tropa de choque” no Congresso para livrar seus apoiadores da prisão.

Anistia nunca foi uma palavra bem aceita entre os conservadores e ultraconservadores, já que, na maioria das vezes, ea associada à impunidade. O entendimento mudou radicalmente após 1979, quando o governo do presidente João Batista Figueiredo, um general, editou a lei que permitiu aos opositores da ditadura militar retornarem ao Brasil sem punição — e que “anistiou” os eventuais crimes cometidos por agentes do governo militar, especialmente no caso dos que foram acusados de cometer tortura.

Mesmo após chegar ao poder, a esquerda jamais conseguiu furar o bloqueio e responsabilizar os autores de crimes contra os direitos humanos.

“Houve um atentado contra a democracia em tempos de normalidade institucional.”
Jaques Wagner, senador petista

(Pedro França)

Dentro do Legislativo, a principal bandeira para conceder uma anistia geral aos acusados da tentativa de golpe de Estado — por ações anteriores e durante o fatídico dia 8 de janeiro — é o projeto de lei patrocinado pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente de Bolsonaro e um dos políticos mais incomodados com as prisões e condenações pelas depredações dos prédios dos Três Poderes.

A ideia é que o texto contemple também políticos e ex-autoridades apanhadas em atividades consideradas ilegais contra as instituições e a Constituição.

Bolsonaristas aflitos: apoiadores do ex-presidente querem que os crimes fiquem sem punição (Crédito:Gustavo Basso)

Em público, muitos atores importantes da política nacional desprezam a tentativa da oposição de salvar seus apoiadores flagrados em atos considerado criminosos. Fazem questão de menosprezar a movimentação de Mourão e de outros nomes estridentes do universo bolsonarista.

Nos bastidores, no entanto, a estratégia está merecendo a atenção especial do governo e da cúpula do Senado. É um reflexo do ato de 25 de fevereiro convocado por Bolsonaro, que foi considerado maior do que esperado pela esquerda.

“O governo tem de se mexer de forma a prevenir qualquer possibilidade de que anistias progridam. São muito pequenas as chances de que projetos nesse sentido passem, mas temos de cortar o mal pela raiz”, disse um senador da base do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva que preferiu não se identificar.

Lula e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estão se articulando para barrar as tentativas parlamentares de aprovar uma anistia.

Pacheco tem especial interesse na questão, pois ficou muito irritado quando soube que, em uma das versões da minuta do golpe” preparada por assessores de Boslonaro, havia a previsão de sua prisão, depois retirada pelo ex-presidente em uma versão posterior.

O discurso encampado pelos senadores da base de Lula e com o apoio de Pacheco é o de que é preciso haver responsabilização pelos gravíssimos atos de 8 de janeiro.

Mourão faz críticas ao STF

Hamilton Mourão, que é general da reserva, usa como argumento para insistir na anistia que muitas pessoas que estavam na Esplanada dos Ministérios em 8 de janeiro não participaram diretamente das depredações. Ele alega que estão sendo julgadas pela última instância da Justiça, o Supremo Tribunal Federal (STF), e que este não consegue especificar os crimes e individualizar as condutas.

Para completar, em declaração a jornalistas, o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição, afirmou que a concessão de anistia “faz parte da tradição política brasileira”, mas admite que o projeto precisaria de uma mobilização popular para avançar.

Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, tratou de rebater com veemência tal argumentação. “Houve um atentado contra a democracia em tempos de normalidade institucional.

Não havia estado de exceção e a eleição presidencial de 2022 ocorreu sem incidentes. As tentativas de golpe foram ilícitas e injustificadas. Anisitiar agora seria um sinal muito ruim”, declarou.