Coluna

Artistas nacionais vivem dias de glória nos palcos do País

Com estádios lotados e quase um milhão de espectadores, a bem-sucedida turnê Encontro, dos Titãs, provocou uma verdadeira revolução na estratégia das grandes produtoras de shows: chegou a vez de valorizar e investir em grandes artistas nacionais

Crédito: Divulgação

Titãs ao vivo: sucesso impactou todo o mercado (Crédito: Divulgação )

Por Felipe Machado

Muitos profissionais experientes no mercado do entretenimento ficaram surpresos quando os Titãs anunciaram uma turnê em estádios de todo o País. Separados há anos, os shows marcariam a volta da formação original, com exceção do guitarrista Marcelo Fromer, morto em um acidente, em 2001. Mas apesar da força do marketing e da fama que a banda sempre carregou, muitos consideraram a aposta ousada demais para dar lucro. Entre os poucos que acreditavam no sucesso da empreitada estava Pepeu Correa, CEO da 30e, produtora responsável pelo projeto.

O empresário de 36 anos estava certo: além de passar por dez capitais com ingressos esgotados, a tour Encontro lotou por seis vezes o estádio Allianz Parque, em São Paulo, recebendo um público total de 300 mil pessoas. Ao todo, os Titãs foram vistos por quase um milhão de fãs.

Não foi a primeira vez, claro, que artistas nacionais lotaram estádios.

De Legião Urbana a Roberto Carlos, passando pela febre do axé e dos sertanejos, muitos nomes já provaram que tinham fôlego para competir de igual para igual com artistas internacionais.

Pouco antes da pandemia, a celebração das três décadas de carreira da dupla Sandy & Junior vendeu mais de 500 mil entradas e faturou US$ 2,2 milhões.

Antes disso, outras produções da Live Nation Brasil, gigante internacional do setor, encheram grandes arenas graças a Los Hermanos e Lulu Santos, entre outros.

Jão: cantor levou apenas uma hora para vender 50 mil ingressos para o primeiro show de sua excursão (Crédito:Divulgação )

O que acontece no cenário atual, no entanto, é bem diferente. Nunca houve no País uma turnê com o nível de produção vista no palco dos Titãs, com um sistema de som de altíssima qualidade e telões de alta definição que só estavam presentes em shows de megaestrelas estrangeiras.

Entre os diversos pontos positivos para o mercado local é que essa valorização não beneficia apenas os veteranos, nem se rende somente a fenômenos passageiros. Há uma percepção de que, dadas as condições adequadas, bandas e cantores brasileiros não deixam nada a dever em comparação aos colegas que vem do exterior.

Isso foi comprovado com a sequência de shows que a 30e realizou desde o “fenômeno titânico”.

Foi assim com os roqueiros do NX Zero e com o cantor Jão, de 29 anos, que levou apenas uma hora para vender os 50 mil ingressos colocados à venda no primeiro show de sua turnê, Super, no Allianz Parque, em São Paulo.

Ou ainda o Sepultura, cuja turnê de despedida, Celebrating Life Through Death, vem lotando arenas desde o pontapé inicial em Belo Horizonte, no início do mês.

Entre os que se preparam para cair na estrada estão a cantora Ludmilla, que passará por 19 cidades a partir de maio, Ivete Sangalo, cuja turnê A Festa comemora seus trinta anos de carreira, e o Natiruts, um dos maiores grupos de reggae em atividade no País.

Emicida: parceria com a Live Nation Brasil para os shows de AmarElo — A Gira Final em doze cidades (Crédito:Buda Mendes)

A Live Nation Brasil, responsável por grandes festivais como Rock in Rio, The Town e Lollapalooza, também voltou a abrir os olhos para esse mercado promissor. A empresa anunicou parceria com o cantor Emicida para a tour AmarElo — A Gira Final, que percorrerá doze cidades.

A ideia de investir em artistas brasileiros não é fruto de uma visão nacionalista ou preconceito com os estrangeiros. Levantamento da entidade ProMúsica, que representa as principais gravadoras do País, aponta que, das 50 músicas mais ouvidas nas plataformas digitais no primeiro semestre de 2023, 49 eram brasileiras — apenas uma era internacional, “Flowers”, da cantora norte-americana Milley Cyrus.

Esse boom dos artistas nacionais acabou tendo impacto em todo o ecossistema de eventos. Um dos beneficiados foi o empresário Dilson Laguna, proprietário do Artsy Club, estúdio voltado para ensaios e pré-produção de grandes espetáculos.

“A mudança foi tão forte que criou novos negócios para todo o mercado. A estrutura que essas turnês em estádios precisam é complexa e demandam ambientes específicos para prepará-las. Não basta mais apenas pensar no lado musical, é necessário testar luzes, cenários e equipamentos”, afirma Laguna. “As equipes também são maiores, o que levou a especialização de profissionais em funções nas quais éramos carentes.”

Os shows internacionais continuarão a existir, assim como os grandes festivais. Mas é bom lembrar que a valorização da preferência nacional, além de lucrativa para todos, revela, mais uma vez, a força indiscutível da música brasileira.

ENTREVISTA: Pepeu Correa, CEO da 30e
“O público quer cantar as letras”

 Pepeu Correa (sem chapéu) com o Village People: primeira produção aos 16 anos
Pepeu Correa (sem chapéu) com o Village People: primeira produção aos 16 anos (Crédito:Divulgação )

Quando começou a trabalhar com o mercado de turnês?
O primeiro show que produzi foi o Village People, aos 16 anos. Como era menor de idade, meu avô tinha que assinar os contratos.

O que aprendeu com a experiência?
Percebi que, nesse universo, o lado financeiro era tão importante como o artístico. O mercado não era assim. Quando me formei, fui trabalhar com fundos de investimento, mas nunca abandonei o entretenimento. Investia em empresas do setor no exterior.

Quando decidiu investir no País?
Em 2016, voltei ao Brasil porque queria criar uma nova geração de empresários do showbiz. Respeitava os players mais experientes, mas queria fazer as coisas do meu jeito.

Por que decidiu investir pesado em turnês de artistas nacionais?
Vi que as atrações estrangeiras eram uma bolha, não representavam os 200 milhões de brasileiros. O show nacional, com ingressos acessíveis, atinge todo mundo. Esses ídolos mexem com a nossa emoção. O público quer assistir a grandes espetáculos, com fogos de artíficio, visual incrível, mas também quer cantar as letras. É sucesso garantido.