Cultura

Zelensky e a arte da guerra: a vida do herói improvável

Biografia revela como a experiência artística do líder ucraniano no passado tem sido essencial para mobilizar a opinião pública na luta de seu país contra a invasão russa

Crédito:  Ukrainian Presidentia

Volodymyr Zelensky: carisma de ídolo pop e posts nas redes sociais (Crédito: Ukrainian Presidentia)

Por Felipe Machado

Atribuído ao general chinês Sun Tzu, o livro A Arte da Guerra tem sido referência para líderes em campos de batalha há mais de dois mil anos. Suas táticas para conquistar territórios e destruir o inimigo incluem pensamentos filosóficos, manobras e estratégias bélicas. O que o sábio oriental não poderia prever, no entanto, era como o passado artístico de um líder poderia influenciar os rumos de um conflito militar na era da internet e das redes digitais.

As habilidades como popular artista dos palcos, aprimoradas ao longo de mais de duas décadas de atuação, foram essenciais para o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky conquistar a opinião pública mundial e se firmar como um líder após a invasão de seu país pela Rússia.

Essa é a tese principal de O Showman — Os Bastidores da Guerra que Abalou o Mundo e Forjou a Liderança de Zelenksy, biografia escrita pelo jornalista russo Simon Shuster.

Nove meses após o início da guerra, durante uma viagem de trem, o repórter viu Zelensky lendo a biografia do líder britânico Winston Churchill. Questionado sobre a obra, o presidente ucraniano preferiu citar outro ídolo: o ator Charles Chaplin.

“Ele usou a informação como arma para lutar contra o fascismo”, afirmou Zelensky. “Esses artistas ajudaram a sociedade. E, muitas vezes, a influência deles foi mais importante que a artilharia.”

(Divulgação)

Baseado em quatro anos de reportagens pela Ucrânia, Shuster narra a incrível história do comediante popular que vira presidente, encara uma crise sem precedentes e torna-se símbolo da resistência contra a superpotência agressora — a Rússia do autocrata Vladimir Putin.

Para o autor, o carisma desenvolvido nos palcos e diante das câmeras explica também como Zelensky obteve com tanta facilidade e rapidez o apoio das nações democráticas à sua causa. Após entrevistar amigos, familiares, inimigos e comandantes militares, Shuster escreve que Zelensky era “viciado em aplausos” e adulação.

“Subir no palco me dá duas emoções”, afirmou o presidente ucraniano ao jornalista. “Primeiro vem o medo, mas quando ele é superado, chega o prazer. É o que me faz voltar, sempre.”

Correspondente da revista Time, Shuster trabalha em Kiev desde 2009. Em 2019, entrevistou Zelensky, então candidato presidencial, pela primeira vez. A partir daí, o acompanhou durante o primeiro ano da guerra, período que culminou com o discurso de Zelensky no Congresso dos EUA — ele foi aplaudido de pé 13 vezes. Era a criação de um ídolo mundial.

Zelensky (ao centro) com sua trupe de comédia formada nos anos 1990: visual de boy’s band (Crédito:Divulgação )

Herói improvável

Em menos de quatro anos, Zelensky se transformou de um homem engraçado em um improvável herói de guerra. Seu casaco verde do exército, bordado com o tridente dourado do brasão de armas ucraniano, passou a ser visto como ícone fashion.

Entre os seus conselheiros estão produtores de cinema e comediantes, amizades que fez no circuito da comédia. Nas primeiras horas da guerra, encarnou o personagem que conversa sozinho. “Estão nos observando”, disse a si mesmo. “Você é um símbolo. Precisa agir como chefe de Estado.”

Uma semana antes, com 190 mil soldados russos à porta da Ucrânia, autoridades ocidentais na cúpula da OTAN em Munique, na Alemanha, sugeriram que ele estabelecesse um governo no exílio. Diziam que em poucos dias o país seria tomado e sua liderança, morta. Zelensky optou por ficar no país e projetar força por meio de uma retórica vigorosa e heróica.

Passava os dias no bunker, publicando vídeos gravados em seu smartphone. Em um deles, destinado à história, declarou: “Estamos todos aqui, defendendo nossa independência e nosso país. É assim que será.”

Patriota sincero ou apenas um bom ator, a verdade é que Zelensky surpreendeu o mundo pela habilidade diplomática. Convenceu a União Europeia a proibir aviões russos em seu espaço aéreo; os aliados de Vladimir Putin viraram párias e foram expulsos do sistema bancário global.

Apesar de sua experiência limitada como estadista, Zelensky conquistou a aprovação e o apoio material do Ocidente. Participava de videoconferência de qualquer evento que o convidasse, do Festival de Cannes às praças públicas repletas de jovens europeus. “A vida de seu povo depende da sua capacidade de manter os holofotes sobre a Ucrânia”, escreve Shuster. Até agora, apesar dos avanços russos, a estratégia está dando certo.