Coluna

Ratos de academia

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Mentor Neto: "A última vez que abri olhos antes das seis da manhã o mundo estava de cabeça para baixo, levei três tapas na bunda e comecei a chorar" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Minha derrocada começa com um email muito comum:

“Pessoal, estamos organizando um grupo de treino aqui da empresa. Já conseguimos até um desconto na academia Oficina do Corpo na Vila Madalena. Interessados respondam a esse email. Vamos lá, gente! Vamos mexer o esqueleto!”

Geralmente essa mensagem vem do gordinho da turma, sem força de vontade para treinar por conta própria, quer arrastar outras vítimas com ele.

O fato é que inventaram isso lá na firma.

Para participar era preciso instalar um aplicativo no celular.

Trata-se de um aplicativo que registra as atividades físicas de cada um, criando um ranking de performance.

Uma escala de humilhação.

Eu entrei, né? Não quero ser o chato da turma.

E também porque preciso me exercitar, eu sei.

Antes de começar, recomendaram que eu fizesse um exame médico.

Fui ao que indicaram e respondi a um tiroteio de perguntas com honestidade.

Nas últimas o médico já não conseguia mais evitar um movimento negativo com a cabeça.

Fuma? Sim. Sedentário? Sim. Se alimenta mal? Sim. Pratica Esportes? Nenhum.

O médico ergue a cabeça.

— Me ajuda a te ajudar, amigo… – ele não disse, mas li nos seus olhos.

Tirou meu pulso.

Perguntei, tentando quebrar o gelo:

— E aí doutor? Como está o pulso?

— Presente, para minha surpresa – respondeu o cínico.

Então, numa segunda-feira, comecei a via crucis para entrar em forma.

Por uns quatro dias, andei um quilometro na esteira, para ir me adaptando.

Claro que fiquei em último no ranking.

Mas o que me mais me incomodou foi um sentimento inesperado: inveja.

Inveja de uma dupla de colegas de trabalho que escolheram o mesmo horário que eu para seu treino.

Ele, Carlão, do comercial. Careca, cinquentão. Com um corpo que lembrava o meu. Quando eu tinha 23 anos.

Ela, Marisa, do RH. Uma senhora, já. Mas com uma energia que deixaria para trás qualquer celebridade de 19 anos do TikTok.

Os dois corriam em esteiras vizinhas.

Eu sempre escolhia a mais distante de qualquer outro ser humano e me arrastava de cócoras até lá, na esperança de passar despercebido.

Enquanto isso, os dois faziam high-five cada vez que completavam cinco quilômetros.

Gritavam uhu e riam sem motivo, um para o outro.

Tinham garrafinhas de água que combinavam com a roupa.

Já eu, usava uma bermuda com forro de lycra para evitar assaduras na coxa.

Eu tinha inveja deles. Eles me ignoravam.

Ken e Barbie, infernizavam meu treino. Ou a inveja, que eu nutria diariamente, não sei.

Mas o pior era no vestiário.

Ken se vestia mais rápido do que eu.

Passava por mim num terno perfeitamente cortado gravatas sempre inéditas.

Perfumado, deixava atrás de si, o rastro do sucesso.

Eu não me permitia levantar antes de ele sair.

Era um jogo particular meu.

Depois de três semanas, desisti.

Apaguei o aplicativo, para não correr o risco de ter uma recaída.

Mas ainda preciso voltar a me exercitar, eu sei.

Já tentei de tudo. Até um Personal Trainer.

— Um que arranque você da cama – sugeriu um amigo.

Tentei.

— Vamos, vamos, que o mundo está lindo e são quase seis horas! – gritava o safado abrindo as janelas.

A última vez que abri olhos antes das seis da manhã o mundo estava de cabeça para baixo, levei três tapas na bunda e comecei a chorar.

O sujeito dava aulas de uma luta que não sei escrever o nome.

No terceiro soco, destronquei o pulso irremediavelmente.

Desisti. Não pretendo socar ninguém. Em caso de assalto sou o que filma para postar no Youtube.

Mas preciso voltar a me exercitar, eu sei.

Amanhã eu começo.