Economia

Investidores focam em terras agrícolas em busca de segurança e rentabilidade

Empresários têm deixado de lado seus trajes formais em favor de roupas mais adequadas ao campo, pois o mercado de terras agrícolas vem apresentando um crescimento significativo nos últimos anos

Crédito:  Dirceu Portugal /Fotoarena/Folhapress

Colheita de soja em propriedade rural na região de Campo Mourão, no centro-oeste do Paraná (Crédito: Dirceu Portugal /Fotoarena/Folhapress)

Por Mirela Luiz

RESUMO

• Para fugir das crises, empresas vêm alocando bilhões de dólares em fazendas
• Interesse dos investidores americanos por terras agrícolas é constatado por estudo
• Projeção é de crescimento exponencial nos investimentos em áreas produtivas
• Demanda por alimentos vai tornar esse tipo de ativo ainda mais promissor
• Valor das terras no Brasil cresceu 60% nos últimos três anos (2020-2022)

Desde o início da pandemia, uma tendência peculiar vem ganhando força nos bastidores do mundo financeiro: o êxodo dos investidores das luzes brilhantes da cidade para os campos verdejantes da agricultura. Entre 2008 e 2023, a quantidade de terras agrícolas adquiridas por corretoras aumentou espantosos 231%, revelando uma mudança de paradigma nos portfólios de investimento globais.

Quando os primeiros sinais da crise de saúde global surgiram, as grandes empresas já haviam alocado cerca de US$ 9 bilhões em fazendas. Contudo, o panorama atual revela um cenário ainda mais impressionante, com esse montante quase dobrando.

Estudo recente conduzido pelo National Council of Real Estate Investment Fiduciaries (NCREIF) revelou um aumento consistente no interesse dos investidores americanos por terras agrícolas, nos Estados Unidos. Esta pesquisa, divulgada pelo Financial Times, aponta para um cenário de crescimento exponencial nos investimentos em áreas produtivas, sob gestão de fundos de investimento imobiliário.

Os números impressionam:
no final de 2023, o valor das terras agrícolas sob administração desses fundos atingiu a marca recorde de US$ 16,6 bilhões,
mais que dobrando os US$ 7,4 bilhões registrados em 2020,
e quase dez vezes o US$ 1,8 bilhão de 2008.

Este fenômeno é alimentado não apenas pelo aumento dos investimentos, mas também pelo constante incremento nos preços das terras agrícolas nos Estados Unidos.

A valorização das terras agrícolas naquele país e no Brasil tem variado ao longo dos anos devido a uma série de fatores econômicos, políticos, climáticos e sociais.

“Isso se deve em parte à crescente demanda por alimentos, biocombustíveis e outros produtos agrícolas e os investimentos de estrangeiros que aumentou nos últimos anos”, declara Romário Alves, CEO e fundador da Sonhagro franquia de crédito rural.

Com a estabilidade e consistência que as terras proporcionam, e levando em consideração as projeções da ONU de que a demanda por alimentos aumentará em 60% até 2050, o potencial de valorização desses ativos é altamente promissor.

“Diferente do imaginário brasileiro onde temos uma abundância de terras, a realidade global não é tão rica em espaço cultiváveis. 40% de todo alimento global é produzido no Brasil”, explica Joabe Cardoso, secretário geral da ONG Famazonia Foundation.

Em ascensão

Enquanto outros ativos enfrentam as intempéries da inflação e as oscilações dos mercados, as terras agrícolas permanecem como um porto seguro, resistente às turbulências financeiras. “Investimento é realmente a melhor palavra para descrever esse fenômeno: o que hoje é terra, amanhã é um contrato de longa duração de fornecimento de alimentos a indústrias e até mesmos a governos estrangeiros”, avalia Cardoso.

A percepção da importância estratégica de controlar a produção de commodities impulsionou o mercado de propriedades rurais, tornando-as ainda mais atrativas para investidores.

Com a demanda por alimentos em ascensão, o valor das terras agrícolas disparou, especialmente nos Estados Unidos — onde o preço médio de 1 acre, equivalente à metade de um campo de futebol — mais que dobrou ao longo de uma década.

No Brasil, a trajetória não é diferente, com um aumento de 60% nos últimos três anos, entre 2020 e 2022. “Hoje, o agronegócio representa aproximadamente 25% do PIB brasileiro. O consumo de alimentos e proteína animal no mundo só cresce, enquanto há menos terras agricultáveis na Europa, Ásia e Oriente Médio. Isso faz do Brasil um dos principais players do mercado mundial, por isso resolvemos investir nesse setor”, declara Fernando Balbino, diretor da área internacional do operador logístico IBL World.

(Sonhagro/Divulgação)

“A migração de investidores se deve em parte à crescente demanda por alimentos, biocombustíveis e outros produtos agrícolas e os investimentos de estrangeiros que aumentou nos últimos anos.”
Romário Alves, CEO e fundador da Sonhagro

Outra empresa que também resolveu apostar suas fichas e incorporar ao seu portifólio é a multinacional da área de logística Tracbel. “É uma estratégia do grupo de estar presente, principalmente de não ficar de fora daquele que é realmente o negócio mais importante da economia brasileira, que é o agronegócio”, explica Gidalto Santos, CEO do Grupo Tracbel.

Dinâmica

Os membros do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) destacam que a disponibilidade de terras aráveis, especialmente as de alta qualidade, está se tornando escassa no mundo, especialmente com os desafios das mudanças climáticas e limitações hídricas.

Isso resulta em uma dinâmica de mercado onde a alta demanda encontra uma oferta limitada, levando a um aumento nos preços da terra.

Outros fatores contribuem para a continuidade desse interesse, como a integração lavoura-pecuária no Brasil, que tem possibilitado a recuperação de pastagens degradadas, aumentando o valor dessas terras.