Cultura

Coreia do Sul: soft power feito de música, cinema e… literatura

Depois de conquistar o Oscar e o pop, a Coreia do Sul quer levar sua Hallyu, a “onda coreana”, para a literatura – e conta com autoras brilhantes para isso

Crédito:  Emma-Sofia Olsson

Em 'O Livro Branco', sua obra mais recente e pessoal, Han Kang faz uma meditação delicada sobre a vida, a morte e a dor que sente por uma irmã que nunca chegou a conhecer (Crédito: Emma-Sofia Olsson )

Por Felipe Machado

Nenhum outro país apostou tão alto no conceito de soft power como a Coreia do Sul. O termo criado pelo cientista político norte-americano Joseph Nye aponta como o sucesso global de ídolos culturais pode representar uma considerável força geopolítica para uma nação. Desde o início do século 21, o governo sul-coreano gasta bilhões de dólares para promover seus artistas em todo mundo.

Em 2020, a estratégia de “fomentar a criatividade local e impulsionar as vendas internacionais de conteúdo cultural coreano” levou a investimentos de quase R$ 10 bilhões, segundo o jornal Korean Times. O resultado compensou: naquele ano a indústria local faturou R$ 50 bilhões com exportações ligadas ao setor.

O fenômeno ganhou o nome de Hallyu, a “onda coreana”.
• Em 2019, coincidência ou não, Parasita, de Bong Joon Ho, levou o Oscar de melhor filme, mesmo não sendo falado em inglês.
No ano seguinte, o presidente Moon Jae-in escolheu o grupo pop BTS como representante especial do país em eventos da ONU e outros compromissos diplomáticos.
Agora, depois do cinema e da música, o Hallyu chegou à literatura. E, por incrível que pareça, em uma sociedade que ainda é muito machista, o destaque literário é feminino.

‘Pachinko’, de Min Jin Lee, tornou-se um best-seller mundial após sua leitura ser recomendada pelo ex-presidente norte-americano Barack Obama (Crédito: JP Yim )

Considerada uma das grandes escritoras contemporâneas, Han Kang ganhou o prêmio Booker Internacional em 2016 com o romance A Vegetariana, um retrato sufocante do isolamento que uma pessoa pode ter de enfrentar quando muda de vida sem a aprovação dos outros. Em Atos Humanos, ela retoma um episódio da história de seu país para tratar de temas como o luto e a violência política.

Em maio de 1980, na cidade de Gwangju, o exército reprimiu um levante estudantil, causando milhares de mortes. Entre os sobreviventes está o menino Dongho, que busca seu melhor amigo em meio às vítimas em um ginásio onde os corpos estão à espera de reconhecimento.

O trágico evento foi transportado para a ficção, repleto de poesia e humanidade. Em O Livro Branco, sua obra mais recente e pessoal, Han Kang faz uma meditação delicada sobre a vida e a morte.

Em algumas culturas orientais, o branco é a cor do luto. Em uma obra construída a partir de reflexões intimistas, Han Kang mergulha em uma sensível indagação literária e busca entender, por meio da descrição de seu cotidiano, a dor que sente pela ausência de uma irmã que nunca chegou a conhecer. Os três livros foram publicados no Brasil pela editora Todavia.

‘Coelho Maldito’, trabalho de estreia de Bora Chung, foi finalista do International Booker Prize, uma das mas premiações mais respeitadas do mundo (Crédito:Jung Yeon-je / AFP)

Submundo oriental

Nascida em Seul, Min Jin Lee mudou-se com a família para Nova York nos anos 1970. Seu livro mais conhecido — e único lançado no Brasil — é Pachinko (Intrínseca), que narra a saga de três gerações de imigrantes coreanos que chegam ao Japão no início do século 20.

Além de finalista do prestigiado National Book Award, a obra tornou-se best-seller mundial após ser recomendada pelo ex-presidente norte-americano Barack Obama. A trama se passa nos salões de Pachinko, o típico jogo de caça-níqueis de Tóquio. Para os imigrantes coreanos, esses locais marginais, muitas vezes habitados pelo submundo do crime, são uma forma de conseguir trabalho e acumular dinheiro.

Outra estrela da nova onda coreana é Bora Chung, autora de Coelho Maldito (Alfaguara). Finalista do International Booker Prize, a obra traz contos que transitam entre o realismo mágico, horror, ficção científica e fantasia.

As dez narrativas curtas e intensas partem de elementos curiosos para narrar histórias assustadoras e reais. Trabalho de estreia de Bora Chung, mostra como essa geração está disposta a conquistar o mundo — e confirmar que o Hallyu chegou definitivamente à literatura.