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A pele de cordeiro livrará Bolsonaro da prisão?

Em busca de anistia, Bolsonaro tenta contornar o estilo agressivo, se autoincrimina e vive sobressaltado diante de novas descobertas da PF que o colocam no centro da articulação golpista

A pele de cordeiro livrará Bolsonaro da prisão?

Bolsonaro preferiu adotar um tom moderado no palanque da av. Paulista temendo agravar sua situação perante a Justiça

Por Vasconcelo Quadros

Jair Bolsonaro passou quatro anos atacando as instituições que jurou defender e, no meio do mandato, para reagir a derrota que anteviu como certa com a libertação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentou uma cartada final preparando um golpe de Estado. Ao constatar que a maioria da população quer sua punição, vestiu uma pele de cordeiro que não cabe em seu figurino e propõe passar uma borracha no passado, tentando contornar seu estilo agressivo para interromper a vida de sobressaltos que tem levado.

Não é pra menos: ele se encontra em um labirinto cuja única saída aponta para uma cela em alguma dependência militar. As evidências de que esteve no centro das articulações da tentativa golpista são tão fortes que a PF já poderia tê-lo indiciado, mas preferiu a higidez na investigação para não deixar margem a contestações.

O inquérito em que deverá figurar como chefe de uma organização criminosa tem como ponto forte os episódios ocorridos nos últimos dois meses de 2022. Mas vai incorporar também uma dinâmica que começa em 5 de junho de 2021 com a famosa reunião ministerial em que pediu que todo o governo se envolvesse na empreitada para evitar a derrota, retroagirá a todo o mandato – onde o flerte com o golpismo fez parte do dia a dia do governo – e se encerrará com os ataques de 8 de janeiro.

Pesam contra Bolsonaro:
medidas administrativas que adotou para tentar mudar resultado da eleição,
a responsabilidade pelo decreto de Estado de Defesa,
os depoimentos do ex-ajudante de ordens, o tenente coronel Mauro Cid em delação premiada,
a exigência segundo a qual todos os ministros deveriam ajudar a reverter o favoritismo de Lula no segundo turno da eleição, com destaque para a atuação do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres.

Usando criminosamente a estrutura do ministério, ele ordenou bloqueios da Polícia Rodoviária Federal em estradas da Bahia, impedindo a chegada às secções de votação de eleitores do petista.

Torres ainda será responsabilizado por espalhar notícias falsas sobre relações entre PT e o PCC.

Na avaliação da PF, a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes foi o “último suspiro” dos golpistas e tinha como objetivo criar o caos e um vácuo de poder para uma intervenção militar.

É consenso na PF, no Ministério Público Federal e no STF que a prisão de Bolsonaro só seja executada depois de uma sentença definitiva, o que deverá ocorrer até outubro, depois do julgamento que deverá incluir os generais que estiveram alinhados ao golpe.

O governador Tarcísio e o deputado Nikolas estiveram entre os poucos que defenderam Bolsonaro na av. Paulista (Crédito:Andre Ribeiro)

A anistia impossível

Bolsonaro está usando o tempo para reorganizar sua estratégia política. Ele quer manter seus apoiadores e convencer a maioria conservadora no Congresso a aprovar uma anistia cujo pretexto seria libertar os “coitados” condenados pelo 8 de janeiro.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (AP–sem partido) percebeu a intenção de Bolsonaro. “Os ‘coitados’ aos quais ele se refere é um álibi. Ele quer a anistia para ele mesmo. Seria uma incoerência o Congresso sequer discutir essa matéria”, diz Randolfe, numa referência aos ataques que destruíram parte das instalações da Câmara e Senado.

Bolsonaro usou como precedente a anistia concedida pela ditadura no final dos anos 70 para dizer que presos merecem o perdão, uma vez que no passado o governo militar havia atendido “quem fez barbaridades”, se referindo a exilados e presos políticos que militaram na esquerda armada.

Ele não menciona que a anistia beneficiou mais os militares que torturaram, mataram em frias execuções e desapareceram com os corpos de opositores.

Preocupado com eventual prisão de seus colegas de farda, o general e senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) abriu uma consulta pública na página do Senado na internet para saber se a população apoia a anistia. Na quinta-feira, 29, num universo de cerca de um milhão de pessoas que votaram na enquete, os contrários a anistia representavam 60 mil votos a mais.

Bolsonaro pediu a anistia na manifestação em que conseguiu colocar na Avenida Paulista, no domingo, 25, em torno de 186 mil pessoas conforme a USP, em um expressivo movimento popular da direita que o próprio presidente Lula reconheceu como importante.

A esquerda acordou e está organizando para o próximo dia 23 um ato em todo o país para pedir a prisão de Bolsonaro.

Na avaliação da PF, Bolsonaro, que havia ficado em silêncio durante o depoimento, foi orientado por sua defesa a só admitir no discurso na Paulista que tinha conhecimento sobre o decreto do golpe.

O didatismo ao tentar explicar o decreto foi como uma confissão. “Por que me acusam? É porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa? Eu daria um golpe usando a Constituição? Tenham a santa paciência!”.

A PF já sabe por Mauro Cid que Bolsonaro ajustou o texto do decreto e depois discutiu o documento com os chefes das forças militares. A fala sobre o decreto durante o ato na Paulista foi anexado ao inquérito como prova de que tentou dar o golpe.