Comportamento

Feito histórico deixa a pergunta no espaço: De quem é a Lua?

A humanidade não pousava em solo lunar desde 1972, com a Apollo 17. A nave americana Odysseus encerrou esse hiato e retomou a exploração do satélite terrestre, reabrindo a velha discussão sobre a corrida espacial

Crédito: Divulgação

Intuitive Machines e NASA: iniciativa privada e agência espacial atuaram de forma conjunta (Crédito: Divulgação )

Por Mirela Luiz

“We choose to go to the Moon.” Ao declarar que iria à Lua, o presidente John F. Kennedy não apenas delineou uma era de ambições espaciais, mas oficializou o papel dos EUA como pioneiro na exploração do satélite terrestre. Depois de décadas, essa visão voltou a encontrar eco no século XXI, com a aterrissagem da nave americana Odysseus na Lua, em missão promovida pela empresa texana Intuitive Machines em colaboração com a NASA.

O feito histórico marca uma mudança significativa no cenário da exploração espacial. Se antes a corrida era protagonizada principalmente por EUA e União Soviética, durante a Guerra Fria, hoje há uma diversidade de atores participando ativamente desse novo capítulo.

Países como Japão e Índia investem em suas próprias missões lunares, demonstrando interesse renovado nas possibilidades para além da estratosfera.

Decolagem da Odysseus, da empresa norte-americana Intuitive Machines, em colaboração com a NASA (acima). Abaixo leitor acompanha o sucesso da missão indiana em solo lunar, feito que marcou a entrada de nações asiáticas na corrida espacial (Crédito:AFP PHOTO / Russian Space Agency Roscosmos / handout")
(Arun SANKAR / AFP)

O retorno dos EUA à Lua, mais de meio século depois, foi marcado por uma série de desafios. Após um pouso histórico no satélite natural da Terra, na quinta-feira passada (22), a empresa anunciou que a missão será encerrada cinco dias antes do planejado.

Apesar dos esforços dos controladores para corrigir um problema de navegação durante a aproximação, o módulo acabou tombando em solo lunar, comprometendo o envio de dados essenciais devido ao posicionamento inadequado de suas antenas.

O módulo, com mais de quatro metros de altura, transportava seis cargas de instrumentos para coletar dados do ambiente lunar. Embora a missão tenha enfrentado obstáculos, faz parte de um esforço maior para preparar o terreno para futuras explorações, incluindo a missão Artemis 2, que voltará a enviar astronautas à Lua.

A NASA tinha grandes expectativas para a Odysseus, esperando que o módulo operasse por até dez dias, coletando preciosas informações sobre o ambiente. Esses dados seriam fundamentais para preparar o terreno para futuras missões tripuladas, previstas para acontecer até 2026. Apesar da interrupção prematura, ainda não está claro se haverá perda significativa de dados científicos.

“Esse evento marca não apenas o avanço tecnológico, mas também uma nova fase de cooperação internacional relacionada à exploração lunar, a exemplo da adesão do Brasil aos Acordos Artemis”, explica o pesquisador Aluísio Camargo, sobre os impactos econômicos e sociais do projeto.

Na campanha Artemis, a NASA pretende levar a primeira mulher, o primeiro negro e um astronauta de um parceiro internacional à Lua, abrindo caminho para uma exploração sem precedentes da superfície lunar, para benefício de todos.

Com a crescente atividade de empresas privadas e organizações não governamentais no espaço, é fundamental estabelecer normas e regulamentos que garantam uma exploração pacífica e sustentável. “Esse é um dos temas mais difíceis na discussão sobre a exploração espacial. Com a entrada de empresas privadas diretamente nos experimentos espaciais, novos cenários se desenham”, diz Vanderlei Cunha Parro, professor de Engenharia Elétrica do Instituto Mauá de Tecnologia.

(Divulgação)

“Esse é um dos temas mais difíceis na discussão sobre a exploração espacial. Com a entrada de empresas privadas diretamente nos experimentos espaciais, novos cenários se desenham.”
Vanderlei Cunha Parro, professor do Instituto Mauá de Tecnologia

As leis do espaço

A Lua e o espaço não são ambientes sem lei. Existem instrumentos legais que buscam garantir o uso seguro e sustentável desses locais, visando o benefício de toda a humanidade.

“Há um tratado Internacional que dispõe sobre o princípio da proibição de apropriação de corpos celestes. O Tratado do Espaço Exterior de 1967 cuida dos princípios reguladores das atividades dos estados na exploração e uso do espaço cósmico, o que inclui a Lua”, explica Thiago Bezerra de Melo, advogado e professor de direito internacional e especialista em Direito Espacial.

O novo cenário levanta questões fundamentais sobre a Lua, inclusive o fato de que ela não tem dono. “Consciente desse fato e da natureza global da exploração espacial, a ONU patrocinou a elaboração de acordos e regulamentos que formam a base do Direito Espacial desde os anos 60”, esclarece Miriam Rezende Gonçalves, especialista em comunicação e posicionamento estratégico para multinacionais espaciais.

O artigo 2 do tratado menciona que a posse de corpos celestes no espaço sideral é proibida. “Ninguém pode se intitular dono de qualquer corpo presente no espaço. O espaço cósmico, inclusive a Lua, não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio, diz o Tratado”, conclui Melo.

Laboratório no Japão: novo membro do seleto clube de países capazes de realizar missões à Lua (Crédito:Michihiro Kawamura)

Obras de arte em solo lunar

Por Felipe Machado

Com o pouso lunar da espaçonave Odysseus, Jeff Koons acrescentou um dado histórico à sua trajetória: é o primeiro artista a exibir oficialmente uma obra na Lua. Artista vivo mais caro do mundo, é conhecido por seu estilo pop art.

As 125 obras batizadas de Fases da Lua são miniaturas do satélite terrestre, com cerca de uma polegada de diâmetro. Cada uma delas traz inscrita o nome de uma figura inovadora na história, entre eles:
Aristóteles,
David Bowie,
Leonardo da Vinci,
Gandhi,
Billie Holiday,
Gabriel García Márquez,
e Virginia Woolf.

Koons se disse “honrado” com a iniciativa e, por meio de sua galeria, Pace, afirmou que “se inspirou na Lua como símbolo de curiosidade e determinação”.

Apesar do excesso de ações midiáticas, Koons é um artista reconhecido pela crítica e um gênio do marketing. Não recebeu nem um centavo para criar essa obra, mas colocou à venda versões em NFT (reproduções digitais oficiais) e esculturas semelhantes, só que em dimensões maiores.

Outras obras foram parar em solo lunar, mas de forma independente.
Em 1971, membros da Apollo 15 deixaram no local uma figura de alumínio do artista belga Paul Van Hoeydonck e uma placa comemorativa em homenagem a 14 astronautas mortos.
Há ainda a lenda de que seis artistas, entre eles Andy Warhol e Robert Rauschenberg, enviaram secretamente uma placa a bordo da Apollo 12. The Moon Museum, uma pequena telha cerâmica com desenhos feitos pelos artistas, permanece presa na estrutura do módulo lunar até os dias de hoje.

Jeff Koons: artista pop criou de graça esculturas para a missão lunar, mas colocou NFTs e réplicas à venda em sua galeria terrestre (Crédito:Divulgação )