Editorial

O haraquiri político de Bolsonaro

Crédito: Luis Nova

Jair Bolsonaro chega para depor na Polícia Federal em Brasília, na quinta-feira, 22 (Crédito: Luis Nova)

Por Carlos José Marques

O ex-mandatário Jair Messias Bolsonaro, encalacrado de todas as formas em crimes diversos e por uma tentativa golpista esquizofrênica para se perpetuar no poder, decidiu pedir socorro convocando áulicos seguidores para um protesto nas ruas que deve influenciar zero no veredicto legal de seu destino — que todos já preveem inevitavelmente atrás das grades. O “mito” delira e vai ao escárnio de definir como “ato pacífico” uma mobilização cujo intuito maior é justamente o de afronta ao STF, à Polícia Federal e às demais instituições que estão fechando o cerco sobre seus desvios. A paródia Bolsonarista reforça o vezo de desprezo que expressa contra a ordem constitucional estabelecida. O cinismo do ex-capitão é tal, que ele não cessa de demonstrá-lo a todo momento, via projetos liberticidas que acalenta desde a passagem pelo Planalto. Anarquista por natureza, o caudilho, que foi expulso dos quartéis e teve uma trajetória claudicante na política como propagador de ideias extremistas, insuflou reiteradamente badernas e passou os anos de mandato a organizar motociatas e agitações, sem o mínimo de senso pelo cargo que ocupava. Faz parte, parece, de sua natureza.

Neste próximo domingo 25, em São Paulo, espera entregar mais do mesmo. Com o detalhe de voltar aos palanques com o prestígio em baixa como nunca, mesmo entre os aliados. Desta feita, a iniciativa de uma passeata a seu favor é tão estabanada que nem mesmo as fontes de financiamento para bancar a brincadeira ficaram claras. Para evitar acusações de uso do dízimo, o pastor Malafaia, que organiza a algazarra, alega que vai bancar tudo. É de duvidar. Jair Messias em pessoa vetou até a organização de vaquinha para ajudar nos custos e parece acreditar piamente que a concentração de manifestantes se dará por combustão espontânea. Retrato bem-acabado da bizarrice, com traços de comédia pastelão que cerca o encontro, é o apelo do capitão protagonista para que todos compareçam ostentando uma medalha de “imbrochável”, que ele inventou e distribuiu aos inefáveis adoradores. É isso mesmo. O tal broche traz na verdade o símbolo de “três is”, significando, além de imbrochável, as palavras “imorrível” e “incomível”. A cada detalhe só piora. No pináculo do ridículo, governadores e prefeitos simpatizantes, que possuem alguma reputação a zelar, e estão até em campanha eleitoral, resolveram embarcar nessa canoa furada. Esses têm muito mais a perder. Bolsonaro quer a manifestação como uma espécie de aval, habeas corpus, digamos, contra as possíveis punições que deverá vir a sofrer. Gritando pelo apocalipse pretende escapar, mas a iniciativa na prática não resultará em nada. Já inelegível, com chances de ter o prazo de condenação esticado, Bolsonaro pinça uma manobra de levante marqueteiro cujo risco de naufragar é altíssimo, podendo significar, na prática, o enterro definitivo da imagem mitificada de sua figura. Essencialmente, Bolsonaro teme ser preso e a fuga de seu rebanho. Desviar R$ 800 mil para os EUA em meio à organização do 8 de janeiro já arranhou tremendamente a credibilidade que detinha junto a esse público. Ele pretende colocar na fuzarca mais de 90 congressistas e ao menos três governadores, marchando ao seu lado como senhores do caos. É um pendor conhecido esse que carrega de incitador da desordem, mas o grave, agora, é que para dar ares de legitimidade ele parece buscar um haraquiri coletivo — espécie de suicídio generalizado da tropa. Só isso para explicar a insistência em colocar a frente ampla de políticos na linha de tiro e exposição lhe prestando vassalagem e apoio. Curioso que o alcaide de SP, Ricardo Nunes, mesmo tentando desatrelar a sua figura da do capitão, confirmou que irá participar, a contragosto do próprio partido que desaconselha a ida. Os rumos da campanha de Nunes para se segurar no posto por mais uma gestão dependerá em parte dessa escolha. Opção exclusivamente dele. Seus assessores dizem que Nunes busca uma reviravolta na percepção dos pendores políticos que ostenta, direcionando-se para uma carapuça mais conservadora de centro-direita misturada à defesa da democracia. O capo Bolsonaro, por sua vez, com o passaporte apreendido e alvo da Polícia Federal, deveria temer os contra-ataques do STF na eventualidade de atravessar o que costuma chamar de quatro linhas do gramado — algo bem possível de ocorrer junto a uma massa amorfa de participantes sem qualquer controle. O custo político da empreitada ainda é imprevisível. O objetivo final qual seria? O de tentar desestabilizar novamente o País? Por essa trilha, certamente, os envolvidos vão se enredar ainda mais na teia de investigações do Supremo. O exemplo daqueles golpistas com condenações de mais de 20 anos de prisão dão conta do perigo para os eventuais incitadores dessa marcha no dia 25. Os efeitos tóxicos e de contaminação que Bolsonaro pode emanar sobre os demais é enorme. Feito um pastor Jim Jones, que dirigiu o rebanho de veneradores ao suicídio coletivo nos anos 1970 na Guiana, Bolsonaro quer no comício conquistar um refúgio político contra os seus nós legais, difíceis de desatar, e ecoa o desespero inegável por todos os poros. O tempo das consequências frente a tantos erros chegou e parece irreversível.