Coluna

O fim da picada

Crédito: Divulgação

Rachel Sheherazade: "A arrogância dos religiosos que alegam receber informações privilegiadas do alto sobre o Armagedom se explica, em parte, pelo desconhecimento da própria Bíblia" (Crédito: Divulgação )

Por Rachel Sheherazade

Todo carnaval é mais do mesmo. Passistas sedutoras, cordões, pipoca e hits descartáveis que, com sorte, logo se esvairão da cabeça do folião.

Nada novo sob o sol.

Mas, este ano, a previsibilidade da festa foi quebrada em pleno sábado de folia.

Durante desfile em Salvador, duas estrelas baianas protagonizaram uma polêmica: Ivete Sangalo e Baby do Brasil.

Tudo aconteceu quando a veterana, que também é pastora evangélica, “profetizou” o fim do mundo. Segundo previsões de Baby (que afirmou ter obtido a informação diretamente do próprio Deus), o apocalipse já estaria em curso, e o arrebatamento (ascensão dos justos ao céu dos cristãos) deveria acontecer dentro de cinco a 10 anos.

“Eu não vou deixar acontecer, porque não tem Apocalipse certo quando a gente ‘maceta’ o Apocalipse”, ironizou Ivete, referindo-se ao hit “Macetando”, uma das músicas mais tocadas no carnaval deste ano.

Não é de hoje que Baby usa o carnaval como palco de suas pregações religiosas, destoando do clima da folia baiana que exalta a filosofia do axé — saudação na língua Iorubá para desejar felicidade e boas energias.

A alegria do axé baiano contrasta com as previsões catastróficas das crenças neo-pentecostais.

Há milênios, profetas do desastre vêm pregando o fim do mundo e divulgando a contagem regressiva para o inferno na Terra. Predizem sofrimento e ranger de dentes, castigos de um deus sádico cujo prazer é ver a própria criação padecer por seus pecados.

Semeando o pavor, alguns divulgam, inclusive, a data certa do Armagedom. No século passado, o reverendo Herbert W. Armstrong previu o fim do mundo para o ano de 1936. Como nada aconteceu, ele adiou a data para 1943. Mas o mundo não acabou naquele ano e novas previsões foram feitas para 1972 e 1975.

Seitas fatalistas já levaram centenas ao suicídio coletivo. Lunáticos religiosos como Vernon Howell, Marshall Applewhite e Jim Jones erraram no Apocalipse, mas acertaram em levar seus fieis à morte por auto-envenenamento.

O fim dos tempos vai chegar, é certo. Um dia, assim como surgiu, nossa espécie também se extinguirá.

Mas, não há meios de saber quando o homo sapiens irá se destruir, em que ano o próximo cometa se chocará com a Terra ou a data em que estaremos tão perto do Sol que a vida será inviável. Quem diz saber quando será o fim se engana ou engana a muitos.

A arrogância dos religiosos que alegam receber informações privilegiadas do alto sobre o Armagedom se explica, em parte, pelo desconhecimento da própria Bíblia. Em Mateus, Jesus revela aos apóstolos: “Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, somente o Pai.” Se nem Jesus foi avisado sobre o fim, porque raios Baby do Brasil saberia quando o mundo vai acabar?