Saiba como a ciência vence a obesidade – mas você tem de fazer a sua parte
Sim, a ciência derrotou o excesso de peso. Mas a vitória científica sobre a doença crônica que atinge um em cada quatro brasileiros carrega junto ao emagrecimento vigilância e deveres pelo resto da vida
Por Luiz Cesar Pimentel
No Brasil, o índice de sobrepeso subiu um ponto percentual por ano nos últimos 15 anos, passando de 42% em 2008 para 57% da população em 2023. A obesidade cresceu à mesma medida, chegando a quase um quarto dos brasileiros – no sobrepeso o IMC (Índice de Massa Corporal) está entre 25 e 29,9; em obesos, acima de 30. Os números são alarmantes porque são condições associadas a mais de 200 doenças, entre respiratórias crônicas, cânceres, diabetes e problemas cardiovasculares.
Na saúde pública, essas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) consomem 22% dos gastos do SUS e respondem por mais da metade de mortes de adultos.
• A boa notícia é que a ciência desenvolveu armas eficazes para, teoricamente, extinguir a obesidade.
• A má notícia é que os remédios são de uso contínuo e caros.
Mesmo assim, a renomada revista científica Science atribuiu aos medicamentos emagrecedores o título de Descoberta do Ano (de 2023).
“Obesidade é doença crônica, e 80% dessas podem ser evitadas com mudança de hábitos.”
Fábio Cesar dos Santos, médico integrativo
As duas estrelas das farmácias e consultórios são Ozempic e Mounjaro. Ambos foram desenvolvidos originalmente para o tratamento de diabetes tipo 2 e simulam o hormônio GLP-1, que é produzido pelo intestino, liberado na presença de glicose e que envia mensagem de saciedade ao cérebro, diminuindo o apetite.
• O Mounjaro ativa ainda outro hormônio, o GIP, que melhora a liberação de insulina após as refeições e facilita o controle da taxa de açúcar do sangue. Por isso ele é ainda mais caro – tratamento pode custar R$ 10 mil por mês.
• O Ozempic está na faixa de R$ 1 mil mensais e dispensa prescrição médica.
“Como pode ser comprado sem receita – o que considero um erro grosseiro – a chance de uso de forma errada e por quem não precisa fez explodir os casos de efeitos adversos na mídia, transformando medicações promissoras no alvo de polêmicas e desgastes, muitas vezes desnecessários”, lamenta o endocrinologista Daniel Braga.
A Novo Nordisk, dinamarquesa fabricante do Ozempic, começou a trabalhar o medicamento em 2005, mas há pouco mais de dois anos as vendas dispararam ao receber autorização nos EUA de uso para controle de peso.
A decisão foi baseada em estudo com resultado sem precedentes de eficácia, de emagrecimento médio de 15%, e a propaganda que celebridades como Amy Schumer, Oprah Winfrey e Elon Musk fizeram lançou corrida pelas injeções de semaglutida.
• Nos EUA, onde o remédio requer prescrição médica, 1,7% da população recebeu receita para utilização em 2023.
• No Brasil, a situação não é diferente e desde que começou a proliferar a fama por aqui as farmácias não dão conta da demanda.
Com isso, o valor de mercado da farmacêutica superou o produto interno bruto do país de origem, a Dinamarca, e transformou-a na empresa mais valiosa da Europa.
Sem discriminação
O benefício dos medicamentos não se resume à síntese química que engana o corpo ao enviar recado de que a quantidade reduzida de alimentos é suficiente. Eles fizeram com que o sobrepeso e obesidade passassem a ser compreendidos como doença crônica com raízes na biologia e não mais discriminados como consequência de falta de força de vontade ou de caráter fraco.
Mesmo que seus efeitos a longo prazo não sejam totalmente conhecidos, apesar dos quase 20 anos de utilização, estudos que vieram na sequência da popularidade dos medicamentos mostraram outros pontos positivos.
• Pesquisa publicada pelo The New England Journal of Medicine demonstrou que reduzem o risco de ataques cardíacos e derrames em até 20% em pessoas com sobrepeso.
• Outro estudo, com 529 pessoas com obesidade e insuficiência cardíaca, constatou que após um ano de tratamento com semaglutida a melhora na condição do coração dobrou.
• Um terceiro, sobre retardamento de progressão de doença renal em pacientes com diabetes, também foi bem-sucedido. Depois que pacientes em tratamento relataram diminuição de desejo por bebidas alcoólicas e cigarros, pesquisadores deram início aos testes para uso sobre dependência de drogas, baseados na teoria de que os remédios podem estar ligados a receptores cerebrais que comandam desejo por outros prazeres além da comida.
• Há também ensaios clínicos dos fármacos GLP-1 para tratamento de Alzheimer e Parkinson, com base em evidência de que eles têm a inflamação cerebral como alvo. Além disso, a revista científica Nature atribuiu à bioquímica sérvia Svetlana Mojsov, peça-chave na descoberta do GLP-1, lugar entre os dez cientistas mais importantes do ano.
Efeitos adversos
A história quase centenária da batalha científica contra obesidade nem sempre teve tantas boas notícias. Começou nos anos 1940, com as coloridas “pílulas dietéticas arco-íris”, uma combinação de anfetaminas, barbitúrico e diurético com previsíveis e fortes efeitos colaterais.
A combinação fen-phen (dos anorexígenos fenfluramina/fentermina) nos anos 1990 fez sucesso até ser tirada de linha quando começou a causar hipertensão pulmonar e problemas nas válvulas cardíacas de alguns pacientes.
Assim como todos fármacos, Ozempic e Mounjaro carregam efeitos colaterais e uma série de dúvidas sobre uso a longo prazo.
• Os relatos mais comuns são de náuseas, constipação e outros problemas gastrointestinais.
• O principal problema é que o tratamento é para doença crônica, ou seja, precisa ser continuado por toda a vida.
• Estudo clínico realizado com a Mounjaro provou isso. Pacientes tomaram medicação durante 36 semanas e tiveram perda média de peso de 21%. Metade começou a receber placebo e esse grupo recuperou dois terços dos quilos emagrecidos, enquanto os que seguiram tratamento continuaram o emagrecimento nas semanas seguintes.
A alternativa prática está na reeducação do estilo de vida.
É o caso do anestesista Roberto Milani. Ele fez o tratamento com Ozempic durante um ano e em paralelo passou a cuidar melhor da alimentação, sono, atividades físicas e até da saúde mental, com sessões de meditação.
Seu IMC baixou de 33.6 para 23.6, perdeu 31 kgs e há dois anos mantém o peso com controle alimentar e físico. “A mudança de rotina preservou a menor fome, e não fico mais sedentário – tenho meta diária de 10 mil passos; se não os completo durante o dia, fico andando em casa até atingir”, diz.
“Existem também os inimigos, digamos, naturais da redução de peso. O principal é a alimentação e seu maior vilão são os alimentos ultraprocessados. Eles enganam não por serem mais gostosos, mas por agirem como drogas no organismo com a liberação de grande quantidade de dopamina na forma de açúcares e gorduras menos presentes em alimentos naturais”, afirma Fábio Cesar dos Santos, especialista em Medicina Integrativa.
As curvas de aumento de sobrepeso e obesidade são proporcionais à presença de ultraprocessados na cultura alimentar.
• Nos EUA, esse tipo de comida é 57,5% da ingestão média da população.
• No Brasil, tradições como a do arroz com feijão ainda nos salvam e os muito processados estão na faixa de 20%. Entretanto, isso ensina que o tratamento tem que buscar solução ambiental e social e não depósito de todas as fichas em um medicamento.
Comida processada
“Quem prescreve deve deixar claro que se o paciente quiser melhorar a saúde ele precisa mudar seu mindset, ou seja, tem que aderir a um plano de reeducação alimentar e de exercícios, pois é preciso querer emagrecer para não ter reganho de peso. Não deve ser visto como substituto para mudanças saudáveis no estilo de vida”, diz Daniel Braga.
Enquanto isso, a indústria da perda de peso se tornou a galinha dos ovos de ouro.
• A Eli Lilly & Co., fabricante do Mounjaro, realiza testes avançados para o orforglipron, uma pílula para perda de peso, e para o retatrutide, injetável ainda mais potente do que seu atual principal produto.
• A Novo Nordisk também anuncia lançamento próximo de pílula de emagrecimento, enquanto explora injetáveis que possam ser administrados mensalmente em vez de semanalmente.
• Há 70 novos tratamentos para obesidade em desenvolvimento; seis já aguardam análise regulatória nos EUA. E analistas financeiros projetam que os medicamentos GLP-1 venham a se tornar a classe mais rentável de todos os tempos, com vendas anuais que podem chegar a US$ 100 bilhões.
Bariátrica ainda faz sucesso no Brasil
Apesar de ser invasiva, a cirurgia é o único procedimento definitivo. Cerca de 100 mil brasileiros são operados por ano, o que torna o País o segundo que mais realiza, atrás dos EUA.
A segurança evoluiu com aprimoramento da técnica cirúrgica, mas continua sendo indicada para obesidade mórbida (IMC acima de 40; ou 35 quando associado a outra doença) – taxa de sucesso é de 95%, média de emagrecimento é de 25 a 30% e risco de morte, 0,15%.
Os três tipos são:
• colocação de banda gástrica ajustável que cria pequena bolsa na parte superior do estômago;
• gastrectomia vertical (ou sleeve), com remoção de cerca de 80% do órgão, transformando-o em um tubo vertical,
• bypass gástrico, que combina bolsa no topo estomacal e desvio do intestino delgado conectando-os. Cada caso depende da indicação médica para aplicação da técnica adequada.
Os efeitos colaterais mais comuns são: deficiências nutricionais, devido à redução de ingestão de alimentos, refluxo gastroesofágico e quadros de transtorno mental como depressão ou ansiedade deflagrados pelas transformações súbitas física e alimentar.