Editorial

Lula e Lira: uma relação tão delicada

Crédito: Cristiano Mariz/o globo

Carlos José Marques: "Na caradura. Lula e Lira são os pilotos, promotores, padrinhos dessa esbórnia horrorosa" (Crédito: Cristiano Mariz/o globo)

Por Carlos José Marques

De diferenças ideológicas comezinhas ao jogo de interesses pesados, Arthur Lira, o implacável presidente da Câmara, comporta-se como um glutão, de apetite imensurável para angariar mais poder e espaço dentro do governo do demiurgo Lula da Silva. É embate de titãs, os dois habilidosos, astuciosos, com movimentos sutis – outros nem tanto! – e rasteiras solenes que causam temores numa Brasília tomada pelo partidarismo e pela polarização. No minueto encenado por eles com lances mirabolantes, na medição de forças entre os dois repousa o destino da política econômica, a chance de aprovação de medidas estratégicas para a retomada e mesmo a sobrevivência dos ditos valores republicanos, tão em risco nos dias atuais. Lira quer porque quer a cabeça do desafeto, Alexandre Padilha, ministro da Secretaria de Relações Institucionais. Almeja aboletar ali na pasta alguém de sua estrita confiança, mais uma marionete para manipular a bel-prazer, ampliando o vasto espaço de influência (e, digamos, fonte de lucro e retorno) que vai conquistando nas cercanias do Planalto. Encarna o Lira de sempre, no estado puro e bruto que todos conhecem, vampirescamente atrás de mais sangue para se alimentar. Contrariado no intento, põe as garras de fora. Ameaça com o bloqueio generalizado e incessante das pautas de interesse do Executivo. Tenta o xeque-mate e a captura, com absoluta precisão, da peça orçamentária. Reclama dos “acordos” vergonhosamente firmados e não cumpridos. Planeja espoliar o mandatário como pode. Um show de horrores. Lamentável, deplorável, indigno para uma Nação que almeja ser grande e desenvolvida, mas que chafurda na lama dos menestréis de ardis fedorentos, que é embalada como refém da corruptela, do clientelismo, do fisiologismo e de toda sorte de males da política baixa. Faz parte da natureza do Centrão, que sequestrou o presidencialismo para convertê-lo numa espécie de parlamentarismo de coalizão caquético, onde participam saqueadores do erário, punguistas habituais, que costumam dividir o butim apenas entre a patota. Como chamar a isso de democracia se alguns poucos se refestelam à custa do que pode ser encarado como um escravismo indecente e deletério dos pobres contribuintes? Está tudo errado. Lira empurra a sua caravana adiante promovendo o canibalismo das contas públicas. Trombeteia, com ares solenes de suposto estadista, que a dinheirama do Estado “pertence a todos”. A todos quem, cara-pálida? Passa recados cifrados, alimenta a tensão.

Ameaça a céu aberto: “Não subestimem” (a ele, é claro!). Diz que não irá carimbar de roldão os pedidos. Sapateia no pináculo do Congresso como um Pierrot das trevas em meio ao clima carnavalesco que toma conta do País. Afinal, tudo pode acabar numa quarta-feira de cinzas. Lula, por sua vez, fazendo às vezes de petista empedernido, não deixa por menos. Enrola, dá voltas, protela, desconversa, dribla o pseudo aliado. É o sapo barbudo das escaramuças pretéritas, manjadas e renovadas. Já está convencido de que Lira pede demais. Começa a se incomodar e a tentar impor freios. Em vão. A artilharia inimiga é pesada, hegemônica, quase aniquiladora. E o presidente desliza para o palco das tratativas mundanas sem a menor cerimônia, dançando conforme a música. Nessa milonga desavergonhada o Brasil vai escorregando ladeira abaixo. Quem tenta servir de bucha entre os canhões da disputa armada pela dupla sertaneja Lula e Lira é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tutor do cofre e temente da farra da gastança que corre solta nas negociatas. O diálogo produtivo é quase nulo. Prevalecem conchavos entre os interlocutores de ambos, avançando de forma inercial. Impera uma pajelança deplorável de putrefatos dejetos, troca de favores, liberações de emendas na boca do caixa, a promiscuidade inclemente e rastaquera, que deita raízes no solo fértil das pisadas de espertalhões, esses em franca maioria na corte da capital. Uma massa ignara de irresponsáveis! Eles nada sabem da almejada representatividade, aquela legítima e respeitável. Sim, foram escolhidos pelo voto, mas engabelaram incautos eleitores com as suas promessas não cumpridas. Ao menos a boa parte deles não fez ou não faz o que defendeu nos palanques e todos seguem lá, entre convescotes e conluios, tergiversações e trapaças nos meandros e gabinetes lucrativos de Brasília, torrando a parca poupança e a paciência alheia, lambuzando-se sempre às expensas do contribuinte. Na caradura. Lula e Lira são os pilotos, promotores, padrinhos dessa esbórnia horrorosa. Não expressam um pingo de pudor pela indigência alheia que acomete quase 70% da população nacional. A relação entre os dois pode até ser delicada, mas quem paga o pato é o meu, o seu, o nosso bolso.