Comportamento

O verão do leque: como o abanador voltou a ser item fashion

Adereços para refrescar, mas usados há milênios para seduzir e até mesmo como armas, os leques voltam à moda em ruas e shows para espantar o calor que derrete o planeta

Crédito: Rogério Cassimiro

Em São Paulo, William Orima usa o leque contra o calor, mas também como ‘efeito cênico’ para entrar em festas (Crédito: Rogério Cassimiro)

Por Denise Mirás

Usados como símbolo de poder de faraós — caso de Tutancâmon, que viveu em meados de 1.300 A.C. no Antigo Egito —, ou confeccionados com varetas de ferro para servir como armas disfarçadas de samurais no Japão feudal, os leques sobreviveram aos séculos. Foram montados em sedas e rendas para combinar com perucas, roupas e frufrus ao abanar as faces empoadas da nobreza do século XVIII, no Ancien Régime da França. Mensagens secretas, com códigos gestuais, eram enviadas por amantes do Oriente ao Ocidente e movimentos bruscos ou sinuosos ajudaram a mostrar paixão e sedução na dança flamenca. Lojas que atravessaram os tempos hoje têm entre clientes Madonna e Beyoncé, que até incluiu leques, a serem levados presos em uma cinta-liga na coxa, entre os produtos oferecidos no site de sua Renaissance World Tour. Afinal, em tempos de derretimento do planeta, esses acessórios retornaram com tudo, para abanar, espalhar perfume pelo ar ou mesmo “causar” em shows e festas.

Em São Paulo, o Rosewood, um dos hotéis mais luxuosos da capital paulista, reviveu os tradicionais bailes de carnaval promovendo um deles com renda revertida à Casa do Rio e ao Teçume da Floretas, ONGs do Amazonas, oferecendo como convite os leques confeccionados pelas artesãs ribeirinhas, com cipó ambé.

Andrea Guelpa, diretora da Triana Flamenca, lembra que a origem dos leques remonta ainda ao mundo antigo, do Egito à Grécia e Roma, com estudiosos se dividindo entre China e Japão sobre o modelo articulado.

Do Oriente, foram levados à Europa pelos Cruzados na Idade Média, e depois pelos portugueses, na época das Grandes Navegações. O leque ganhou destaque na Corte de Maria Antonieta, por exemplo, e desde o século XVIII a França se mantém com uma das principais fábricas desses adereços de luxo, como a centenária Duvelleroy.

Esse jovem do século XIX, Jean-Pierre Duvelleroy, teve a ideia de publicar um manual, A Linguagem do Leque, que virou um “case” de marketing, com dicas de:
• como segurar leque fechado tocando os lábios para dizer “Venha falar comigo”,
• semiaberto, também tocando os lábios, para pedir “Me beije”,
• ou fechado junto à orelha esquerda, para “Me deixe em paz”.

Mas foi em Valencia, na Espanha, que a profissão de “mestres abaniqueros” foi reconhecida, depois dos gitanos descerem das montanhas para a cidade e incorporarem em suas apresentações de dança o leque (popularizado ao se trocar marfim, tartaruga e pedras preciosas por madeira e tecido mais simples).

“Com sua técnica específica, o leque usado nos movimentos cortados e ondulados da dança flamenca transmite sensações e sentimentos opostos, como tristeza e alegria, suavidade e agilidade, graciosidade e intensidade”, diz Andrea. “A cenografia se compõe com ele.”

Leques ganharam até um The Fan Museum, aberto em 1991 em Greenwich, na região de Londres, e aparecem em obras de arte como Dancer with a Fan, de Edgar Degas, ou em filmes, como nas mãos de Audrey Hepburn em Guerra e Paz.

A Maison Duvelleroy, que se tornou fornecedora oficial de rainhas como a inglesa Vitória, segue vendendo modelos de luxo como o inspirado na Virgem Macarena, para Madonna, e também em Paris há os perfumados da grife japonesa Miya Shunma.

(Divulgação)

‘Leque é link’

Mas leques mais simples ganharam as ruas e os homens, que são vistos na Espanha e no Japão, por exemplo, com modelos menores levados no bolso das calças. Também estão em espetáculos e ruas de São Paulo ­­— mais ainda com o verão abafado.

O produtor de eventos William Orima usa leque há cerca de três anos, mais como adereço performático, como explica. “Você entra em uma festa, abre com explosão e faz aquele brrrrum! Um barulhão! Gosto do efeito cênico, mas também das brincadeiras que a gente faz, com um e outro. O leque é uma entrada para conversar, fazer amizade, flertar. E você até abana outras pessoas ao redor, com sua brisa. É vento distribuído”, brinca William, que ainda lembra do leque que vem sendo sacudido como aplauso, em shows paulistanos.

Em vez de “um cafezinho”, é o leque de bolsa que a artista plástica Day Silva usa quando faz uma pausa no trabalho (Crédito:Divulgação)

Com o planeta derretendo pelas mudanças climáticas, a artista plástica Day Silva, da marca Almaday, anda com um leque de bolsa —, além de guardar com carinho aqueles que usava em aulas de flamenco. “O que mais uso é um menor, de madeira pintada à mão, mais enxuto, sem rococós”, diz. “No flamenco, a gente gira muito a munheca com ele, em movimentos fluidos, passando mistérios, sedução. Leque é link”, diz, divertida. Nos intervalos do trabalho com joias, cerâmica e pintura em parede, Day já se acostumou a pegar o leque. “Para mim, funciona como uma pausa para o café. Gosto do barulhinho dele ventando.”