Comportamento

Como o governo quer conter a evasão escolar com o ‘bolsa família’ da educação

Crédito: José Luis da Conceição

A expectativa do MEC é alcançar 2,5 milhões de jovens, com investimento de R$ 7 bilhões (Crédito: José Luis da Conceição)

Por Elba Kriss

O Ministério da Educação (MEC) deve começar em março a fazer os pagamentos do Pé-de-Meia, programa de incentivo financeiro-educacional para promover a permanência e a conclusão escolar dos matriculados no Ensino Médio público.

Aprovada por Luiz Inácio Lula da Silva, a medida dará um auxílio para quem frequentar a escola, concluir a etapa e fizer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A expectativa é que a ação alcance até 2,5 milhões de jovens.

Para isso, o investimento necessário é de R$ 7 bilhões por ano — sendo que o órgão abriu 2024 com R$ 6,1 bilhões em caixa. O esforço do governo federal tem um objetivo em longo prazo: reduzir os índices de abandono e evasão escolar.

“É nesse período da vida que o jovem, não por escolha, mas sim por necessidade, muitas vezes precisa trabalhar e acaba deixando a escola. Por isso, nossa proposta é dar ao estudante de baixa renda um auxílio financeiro para que ele permaneça na escola e siga com sua formação”, disse Camilo Santana, ministro da Educação, ao anunciar a medida. “Hoje, nós perdemos praticamente 8% por repetência no 1º ano e quase 8% por abandono ou evasão.”

Camilo Santana, ministro da Educação: “A proposta é dar ao jovem um auxílio financeiro para que permaneça na escola (Crédito:Luis Fortes Fotografo)

De acordo com aferições do Todos pela Educação com cruzamento de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a situação real é que o abandono no Ensino Médio foi de 6,5%, ou seja, 444 mil estudantes, apenas em 2022.

“Além disso, 5,8 % de jovens de 15 a 17 anos não estão matriculados, com uma diferença significativa entre brancos e negros — 4,4% e 13,1%, respectivamente. Vale destacar, ainda, que 31,6% de jovens de 19 anos não concluíram o Ensino Médio”, sintetiza a entidade, em nota.

As porcentagens exemplificam uma verdade de muitos brasileiros. No Piauí, a adolescente Samantha Salvatore, de 17 anos, estudante do 3º ano da Escola Família Agrícola Baixão do Carlos, em Teresina, é testemunha dos números fora do papel. “Por que alunos saem das salas de aula? Porque precisam trabalhar para comer e botar algo dentro de casa. A fome dói e é um dos principais motivos da evasão”, diz ela, que também é integrante do grêmio estudantil.

“A realidade de muitos é presenciar os pais se matando de trabalhar para, muitas vezes, não conseguir nem pagar as contas de casa, que dirá comer. Quando conversamos sobre assuntos como esse, entendemos que necessitam do básico: acesso a saúde, alimentação e transporte”, conta.

Jade Beatriz, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, endossa a fala da colega. “O Ensino Médio é uma das fases mais difíceis, pois estamos prestes a entrar no mercado de trabalho ou na universidade. Mas, na maioria das vezes, não conseguimos chegar a nenhum desses dois por causa da falta de estrutura, por precisar ajudar os pais em casa e, por isso, abrir mão dos estudos para sobreviver”, diz.

“Por que alunos saem das salas de aula? Porque eles têm que trabalhar para comer. A fome dói e é um dos principais motivos da evasão.”
Samantha Salvatore, 17 anos, estudante do Ensino Médio do Piauí

Samantha Salvatore, 17 anos, estudante do Ensino Médio do Piauí (Crédito:Divulgação)

Outros problemas

Para Samantha e Jade, o Pé-de-Meia é um sinônimo de alento. Mas há dúvidas em relação aos próximos passos. “Parece que teremos direitos a saques de um determinado valor. Que sejam R$ 200 por mês, para muitos de nós será a salvação”, enfatiza Samantha.

O MEC prepara um decreto para regulamentar a lei com normas e critérios. Mas há uma certeza: os incentivos serão pagos em conta aberta em nome do adolescente, de natureza pessoal e intransferível.

Nesse ponto, o programa difere do Bolsa Família. “Pleiteamos justamente isso: uma bolsa permanente para os estudantes. Inclusive, para que se entendesse que existe uma diferença entre esse dinheiro ir para os responsáveis e ir para o aluno. Além de conseguir se alimentar ou frequentar as aulas, o jovem tem direito ao lazer e acesso à cidade. Nós gastamos muito com passagem de ônibus, por exemplo”, especifica Jade.

Para especialistas, a proposta do governo tem seus pontos positivos. “Esse é, sem dúvida, um incentivo que poderá impactar o universo escolar diminuindo a evasão. Obviamente, há outros fatores que levam ao abandono e estes, como, por exemplo, violência, bullying ou cyberbullying devem, também, reclamar políticas públicas que promovam o ambiente seguro e acolhedor”, avalia Rodrigo Prando, sociólogo e cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “E, por fim, a valorização salarial e o treinamento para os professores são outras medidas que, conjugadas, podem surtir efeitos positivos sobre o fenômeno em tela”, completa ele.

Segundo análise do Todos Pela Educação, um programa financeiro “não deve ser visto como a grande solução para os problemas do Ensino Médio brasileiro, que são complexos e multifacetados”. O MEC não deve esquecer outros ajustes como a Reforma do Ensino Médio, além de “governança, financiamento e gestão da etapa, melhorias nas condições de trabalho dos profissionais que atuam nas escolas, fortalecimento das políticas pedagógicas, maior integração com a Educação Profissional e Tecnológica e melhoria na infraestrutura física e digital.”

Ainda adolescente, a estudante piauiense Samantha tem o mesmo entendimento.“Essa medida não vai erradicar a evasão escolar no País. Mas, com certeza, haverá uma baixa significativa nesse índice. Eu estou terminando o Ensino Médio e terei apenas um ano de Pé-de-Meia. Mas conforta saber que meus colegas poderão vislumbrar um futuro melhor”, finaliza.