Economia

“No nosso governo não vai passar a boiada”, diz ministro Alexandre Silveira

Crédito: Netun Lima

“A produção de biocombustível será para o Brasil o que o petróleo é para a Arábia Saudita”, diz o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (Crédito: Netun Lima)

Por Vasconcelo Quadros

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sustenta que o Brasil se tornou líder mundial da transição energética e está preparado para avançar na produção de energia verde. Mas garantiu que, embora com o potencial de liderar o movimento por energia limpa, a transição não ocorrerá sem a inclusão social ou às custas da fome dos brasileiros. Ele afirma que os leilões para privatizar o setor energético terão continuidade em março, com a ofertas equivalentes a R$ 26 bilhões, para reforçar a transmissão nas regiões Norte e Nordeste, dobrando os investimentos em eólica e solar. “O Brasil vai se tornar mais atrativo. Quem quer efetivamente investir na economia verde, de baixo carbono, será, sem dúvida, a nova economia global”, diz ele. O ministro garante que a preocupação do governo é conciliar sustentabilidade com a produção de commodities extraídas da bioenergia. Ele estima que as novas fontes vão gerar investimentos externos imediatos de R$ 50 bilhões assim que o Congresso aprovar os projetos encaminhados pelo governo.

O que o governo faz para o Brasil se consolidar como líder da transição energética?
O Brasil já é o líder da transição em consequência de nossa extensão territorial, nossa pluralidade energética e do crescimento vertiginoso da nossa energia eólica. O sol, que tanto castigou o Norte e Nordeste, está virando uma grande fonte de energia nessas regiões. A biomassa, que é tão abundante no Brasil, é ponto central das políticas implementadas nos últimos anos, especialmente do etanol. Tudo isso não seria possível se não fossem os investimentos feitos em mais de 186 mil quilômetros de linhas de transmissão no Brasil, fazendo com que estejamos em 26 estados da federação, todos integrados no sistema nacional. Há poucos dias inauguramos a linha de transmissão de Manaus a Parintins, na maior floresta tropical do planeta e desligamos as usinas térmicas a óleo diesel, descarbonizando, portanto, a Amazônia brasileira. Ao mesmo tempo demos a ordem de serviços para ligar Manaus a Boa Vista. Nós teremos 100% do Brasil integrado no sistema nacional de energia e, com isso, diminuiremos o custo de energia de óleo diesel das térmicas da região Norte, que custam mais de R$ 10 bilhões por ano. Tudo isso levou o país a ter uma matriz de energia 88% limpa e renovável. Somado a tudo isso, temos 11% da água doce do planeta, as PCHs do Norte e do Centro Oeste. Essas fontes permitiram que a gente tivesse uma fonte tão robusta de energia limpa.

“Existe o mundo ideal e o mundo possível. E no mundo possível, a nossa prioridade é cuidar das pessoas sem descuidar do meio ambiente” (Crédito:Lalo de Almeida)

O que isso pode ajudar no avanço da economia?
O presidente Lula me pediu para continuar avançando na matriz energética. Fizemos os leilões de R$ 36 bilhões em linhas de transmissão no ano passado e vamos fazer o leilão de mais R$ 26 bilhões agora em março, reforçando a transmissão do Norte e Nordeste brasileiro para que a gente possa dobrar os investimentos em energia eólica e solar, permitindo que nos tornemos cada vez mais atrativos do ponto de vista dos investimentos internacionais, de quem quer efetivamente investir na economia verde, de baixo carbono, que será, sem dúvida, a nova ordem da economia mundial. A transição energética tem dois vetores: um deles é a sustentabilidade e a proteção do planeta, a salvaguarda do meio ambiente; o outro é uma oportunidade ímpar de produzirmos manufaturados de commodities que agreguem valor à economia verde, produzindo o aço verde, de baixo carbono, que terá valor de médio prazo. O Brasil será na questão energética, que já lidera, uma grande oportunidade de investimentos mundiais.

De onde vem essa confiança?
O etanol ganhou grande impulso no Brasil durante o primeiro mandato do presidente Lula, quando ele reforçou o Proálcool. Graças a isso nós temos hoje a maior parte da frota flex. Por isso nós defendemos a matriz do híbrido do flex. Enviamos ao Congresso o Projeto Combustível do Futuro para aumentar a mistura do etanol e do biodiesel, que já passamos de 10% para 14%, para ancorar nas biorefinarias de diesel verde e que provoque a iniciativa privada a fazer investimento em biorefino do combustível sustentável de aviação, tendo como matéria prima o subproduto do etanol. Estamos trabalhando fortemente para descarbonizar a matriz de mobilidade e a matriz do transporte brasileiro.

Onde isso já está dando certo?
Temos uma experiência no Rio Grande do Sul que representa a proposta de combustível do futuro, criando mandato de futuro de combustível de diesel verde de 2027 a 2037, com o objetivo de atrair investimentos em biorefino de forma imediata. Uma vez aprovado esse projeto, estimamos ter investimentos de mais de R$ 50 bilhões em bioenergia no Brasil. Já temos a aceitação tanto do presidente da Câmara, Arthur Lira, quanto do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Apoiar o biocombustível no Brasil é apoiar a nossa maior vocação, porque a matéria prima para ao biodiesel é advinda tanto da agricultura familiar quanto do agronegócio. Hoje a grande fonte de produção desse combustível é a soja. No caso do etanol, produzimos apenas da cana de açúcar, mas estamos ampliando muito a produção alternativa de milho, que é, inclusive, mais eficiente para as usinas na implantação de etanol. Há uma decisão muito firme do governo e do Conselho Nacional de Política Energética, que presido, para avançarmos na transição energética em várias frentes, continuando com investimentos grandes na matriz de energia elétrica e fortalecendo a agricultura e a indústria de baixo carbono.

Apesar desse esforço do Brasil, tornar-se membro da Opep+ não é uma contradição?
O mundo está parado na transição e não na mudança energética. Estamos liderando a produção energética no mundo, fato reconhecido inclusive por todos os líderes mundiais reunidos em Davos. Será do dia pra noite? Não, porque é transição, ainda não é mudança. Existe o mundo ideal e o mundo possível. E no mundo possível a nossa prioridade é cuidar das pessoas sem descuidar do meio ambiente. A transição energética vai acontecer, mas ela não pode custar a fome das pessoas que, infelizmente, ainda enfrentamos nos países em desenvolvimento. É importante que todos entendam o que a própria palavra diz: transição.

Mas não está na hora de parar com a extração e produção de petróleo?
Não podemos pular etapas porque o nosso combustível fóssil serve para financiar, através do fundo social, saúde e educação, além da própria transição energética. São partes importantes dos nossos problemas sociais. Não podemos nos render ao discurso fácil de querer fazer diferente quando o importante é fazer o possível. Não podemos fazer graça para o mundo às custas do sofrimento da nossa gente. O mundo precisa entender que o Brasil voltou a dialogar sob a liderança do presidente Lula. Nossa matriz energética já é suficientemente limpa e renovável, o que nos dá altivez e autoridade para discutir de igual para igual com qualquer país do mundo. Não admitiremos ser recolonizados, a pretexto de um discurso internacional fácil, mas que não cumpre um propósito maior do nosso governo, que é combater desigualdade, gerar emprego e renda de qualidade, atraindo investimentos e aproveitando a transição energética como fonte de desenvolvimento econômico com sustentabilidade. A Opep 15 é uma estratégia global de produção de petróleo. Estarei lá a favor de um país mais equilibrado na transmissão. A prática é contemplar à sustentabilidade do meio ambiente para que ela promova igualdade através da geração de oportunidades nos países em desenvolvimento. Devemos dar continuidade aos investimentos desde que sejam ambientalmente corretos. Nosso governo não vai passar boiada. Temos como fazer energia com sustentação e ética, distinguindo o que é produção de energia de segurança energética.

Como conciliar a presença do país num órgão em que a base é o petróleo?
O Brasil será cada vez mais líder da transição energética global e vamos liderar através da robustez das nossas empresas nacionais na produção de biocombustível, que será para o Brasil o que o petróleo é para a Arábia Saudita. Nós estaremos liderando a produção de produtos de baixo carbono para exportar sustentabilidade para outras nações. Vamos valorizar o conteúdo local do que é feito no Brasil. Vamos fazer uma transição energética limpa, inclusiva e equilibrada. O Brasil arrecada R$ 256 bilhões com a exploração de petróleo, R$ 120 bilhões só com o fundo de combustível, R$ 130 bilhões provenientes de royalties e participação especial e R$ 6 bilhões em 2023 advindos da venda de óleo cru da União. O que quero dizer é que é impossível o Ministério da Fazenda abrir mão dessa receita.

“Precisamos explorar petróleo e gás na Margem Equatorial na Amazônia para aumentar a oferta do gás, pois a produção atual é insuficiente para desenvolver nossa indústria” (Crédito:Divulgação)

O governo vai dar continuidade no projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas?
Chamar de Foz do Amazonas foi de uma infelicidade da ANP (Agência Nacional do Petróleo) em 2013. A região está na Margem Equatorial e faz parte de uma série de poços que estão na cota de todo o Nordeste brasileiro. Um desses poços está a 489 quilômetros da Foz do Amazonas, mais perto da Guiana, que já vem explorando petróleo e gás. Outra coisa importante para ressaltar: precisamos aumentar a oferta do gás natural porque o nosso gás é insuficiente e não deixa a nossa indústria ser mais competitiva. Precisamos aumentar a oferta do gás para reduzir preços, para evitar que a Vale deixe de processar o seu minério de ferro em Omã, que tem gás barato. Se fosse processado aqui, certamente geraríamos mais empregos. Temos de fortalecer a siderurgia nacional e produzir o aço verde, deixar de ser um país extrativista para nos tornarmos um país industrializado. Quem tem de pagar a conta são os países industrializados, que têm uma indústria energética muito pior do que a nossa. Temos de cobrar dos Emirados Árabes, por exemplo, investimentos mais concretos nessa transição energética.

O que o Brasil tem de atrativos para investimentos estrangeiros?
Estive na França, Doha, Chile, Nova Iorque e na ONU e posso afirmar que fomos extremamente bem recebidos e admitidos como líder da transição energética, mas o que me deixou mais entusiasmado foi a recepção que tivemos em Davos, tanto por parte dos governos, quanto da iniciativa privada internacional, diante da possibilidade real de o Brasil envolver o G20 na COP-30, em Belém, para promover um debate que possa acelerar a transição energética de forma limpa e inclusiva.