Editorial

Clima de conflito aumenta

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Carlos José Marques: "O retorno de estratégias belicistas diz muito do atual momento de intransigência e intolerância de qualquer natureza prevalecendo entre os povos" (Crédito: Getty images)

Por Carlos José Marques

Parece surreal, inacreditável supor o que está acontecendo, mas o mundo se depara de fato com uma crescente ameaça bélica que toma rumos incontroláveis. E isso em pleno século XXI, mostrando que a humanidade não aprende com a história nem com os próprios erros. Há de se cogitar que, apesar de não representar o desejo da maioria, tal onda avassaladora de confrontos ganha estatura ancorada em interesses nada louváveis de setores da elite — política, econômica e até mesmo religiosa. A indústria de armamentos está em festa, vangloria-se de resultados recordes. Nunca faturou tanto como nos últimos tempos. Pipocam encomendas por todos os lados. Potências nucleares reforçam as posições e compram mais. Os EUA lançam ao mar porta-aviões monumentais, verdadeiras cidades de guerra. A Rússia concentra investimentos no aparato militar. China faz testes de bombardeios nos vizinhos, enquanto o Oriente Médio parece uma zona sem fim de ataques por todos os lados, envolvendo inúmeros países. Na literatura sobre o que foram as disputas globais, os conceitos descritos não deixam mais nenhuma dúvida de que o planeta encontra-se mesmo à beira de uma terceira guerra mundial. E essa, perigosamente, definitiva. O sinal mais alarmante nesta direção foi dado diretamente pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que está mobilizando mais de 90 mil soldados e uma estrutura gigantesca com 50 navios, 80 aeronaves e 1.100 veículos de combate para o que chama de “exercícios militares” da América do Norte e da Europa, em países que fazem fronteira com a Rússia, como Polônia, Letônia, Lituânia e Noruega. Não, não se trata de um novo “Dia D” nos termos que aniquilou com o poderio nazista. Mas, guardadas as proporções, é quase uma esquadra concentrada, sem paralelos recentes, para intimidar – diga-se assim – as pretensões de conquista do ditador Putin. Na prática, é de uma temeridade inaceitável. Os membros da aliança da OTAN querem, segundo alegam, “treinar” tropas nacionais e internacionais por terra e mar nesse sinal de advertência. É mais do que simples demonstração de capacidade de resistência. Desde a época da guerra fria não se via nada parecido. Depois do colapso da União Soviética, em 1988, os ânimos pareciam ter arrefecido. Era puro engano. O que se vê agora, com a participação direta de nada menos que 31 países-membros da entidade (mais a Suécia), é a representação insofismável de uma avalanche de hostilidades que não deve, nem pode, acabar bem. O general de infantaria e comandante-geral da OTAN na Europa, Chistopher Cavoli, que está à frente da empreitada, diz que a operação foi batizada como “Steadfast Defender”, um neologismo a significar que estarão firmes na defesa, embora na prática estejam efetivamente provocando. O retorno de estratégias belicistas diz muito do atual momento de intransigência e intolerância de qualquer natureza prevalecendo entre os povos. As migrações, o aumento da pobreza e até mesmo o pendor autoritário e extremista de muitos governantes que estão controlando nações lançam um alerta vermelho contra a sobrevivência das espécies e da própria Terra. Não há regresso plausível após a travessia de determinadas fronteiras das relações no tabuleiro internacional. As guerras híbridas que misturam países e a participação transversal das grandes potências vão aos poucos acirrando os ânimos e logo não haverá diplomacia capaz de uma saída pela conciliação. Invasões, provocações, mobilizações de tropas de um lado implicam automaticamente resposta do outro, e nessa toada não interessa quem começou primeiro. O resultado catastrófico será o mesmo. Quem há de colocar uma lufada de lucidez nesse ambiente? Negociações no plano de conflitos como o da Rússia com a Ucrânia, ou entre judeus e palestinos, para ficar apenas em dois dos exemplos mais prementes, vêm se mostrando inúteis, quase fadadas ao fracasso. A intensidade das diferenças de interesses, os riscos de prováveis novas ameaças e a fragilidade da segurança (explicada pela tibieza de postura da ONU) crescem em velocidade espantosa. O almirante holandês Rob Bauer, presidente do comitê militar da OTAN, foi claro, sem margem a dúvidas, quanto ao que está por vir: “Não estou dizendo que dará tudo errado amanhã, mas temos de perceber que não é certo que estaremos em paz”. É melhor prender a respiração e esperar.