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Nova política industrial do governo divide especialistas; confira

O governo lança programa de reindustrialização prevendo a injeção de R$ 300 bilhões até 2026 com juros subsidiados e medidas protetivas, mas isso não deu certo no passado. Funcionará agora?

Crédito: Ricardo Stuckert / PR

Lula e Alckmin lançam plano que prevê diretrizes modernas e alinhadas à sustentabilidade, inclusão e inovações (Crédito: Ricardo Stuckert / PR)

Por Regina Pitoscia

RESUMO

• Projeto prevê aportes de R$ 300 bilhões até 2026
Principal objetivo é reverter o processo de desindustrialização, que há décadas atinge o País
• Plano criado pelo vice-presidente Geraldo Alkmin é visto em alguns setores como reciclagem de ações fracassadas
• Dúvidas recaem sobre fonte dos recursos, capacitação de profissionais e garantias de geração de emprego

Não há consenso entre especialistas quando avaliam as diretrizes da nova política industrial, batizadas como Nova Indústria Brasil (NIB), e anunciadas pelo governo na última semana. Se por um lado elas foram elogiadas por serem modernas, ter foco na inovação, educação e melhoria do capital humano, de outro, foram associadas a tentativas já usadas no passado e fracassadas para recuperar o setor, como a adoção de juros subsidiados e medidas de proteção ao mercado.

Geram ainda o receio de que possam comprometer as metas de ajuste fiscal, já que não há clareza sobre mecanismos que serão usados para fomentar a indústria e acabar favorecendo setores questionáveis, que sempre viveram das benesses governamentais.

O próprio presidente Lula reclamou sobre a falta de metas concretas e de prazos para cumpri-las. Falha que, segundo ele, abriu espaço para críticas de que o plano era uma reedição de medidas antigas.

Ao mesmo tempo, o plano recebeu amplo apoio político em cerimônia concorrida no Palácio do Planalto, com representantes dos 21 ministérios, do BNDES, e também do empresariado, além de jogar holofotes sobre o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, responsável pela elaboração e divulgação do plano.

Durante todo o segundo semestre de 2023, Alckmin esteve à frente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, criado justamente para a formatação da nova política, e atuou como principal interlocutor com outros ministérios, BNDES e o setor privado.

A proposta prevê aportes de R$ 300 bilhões até 2026 com metas a serem atingidas até 2033 e recoloca o poder público como indutor do crescimento da indústria. O suporte financeiro chama a atenção, segundo Júlia Braga, coordenadora de Acompanhamento e Estudos da Conjuntura do Ipea. “Os recursos virão tanto na forma de crédito com atuação do BNDES, como na forma de isenções fiscais com o programa de depreciação acelerada para investimentos na compra de máquinas e equipamentos, e ainda com as compras públicas para incentivar o setor”, explica ela.

“Plano vem resgatar indústria que perdeu investimentos e espaço na atividade econômica.”
Júlia Braga, coordenadora do IPEA

O principal objetivo, segundo o governo, é reverter o processo de desindustrialização “precoce e severa”, que há décadas atinge o País. “Esta política industrial, que é de uma importância incrível para o desenvolvimento do Brasil, já veio atrasada. Deveríamos ter uma política como essa há muito tempo, mas ainda bem que ela veio”, afirma Paulo Feldmann, professor da FIA Business School da USP.

Ele explica que os países que avançam no mundo são os que deram prioridade à indústria de transformação, como China, Coreia do Sul e Japão, além de outros países europeus. “Todos tiveram forte desenvolvimento, porque souberam focar em suas indústrias”, pondera o professor.

o Brasil decidiu seguir a linha que elegia as forças de mercado livre para o crescimento, em que os países deveriam se abrir e eliminar as barreiras comerciais, sem a necessidade de investimentos na indústria. Tese apregoada e defendida pelos Estados Unidos ao mundo todo.

“Depois de 40 anos de experiências negativas, inclusive no Brasil, sabe-se que essa teoria acabou com a indústria brasileira. Segundo o Banco Mundial, o País é o campeão mundial da desindustrialização nos últimos 30 anos”.

Outros países que seguiram o país norte-americano também destruíram seu parque industrial, ressalta Feldmann, mas hoje nem mesmo os EUA adotam essa política. “Ao contrário, Biden apresentou uma política industrial muito bem elaborada, com precisão de detalhes e mecanismos protecionistas a vários setores.”

Aqui, segundo o documento elaborado pelas autoridades econômicas, a Nova Indústria Brasil vai retomar o parque industrial em novas bases:
• sustentáveis,
• digitais,
• inclusivas,
• lideradas por inovações tecnológicas,
• vocacionadas para o comércio exterior.

“Pela primeira vez, o governo estrutura uma política que contempla a inovação, a resiliência, a sustentabilidade e insere o país na cadeia de produção de alta tecnologia”, considera Hugo Tadeu, professor da Fundação Dom Cabral (FDC). Para ele, o governo endereçou muito bem os temas para as necessidades do País, ao inserir preocupações que vão da educação até questões climáticas, prevendo a redução em 30% de poluentes, CO2, na atmosfera.

“O Plano é muito positivo e simples. É preciso tirar dele o viés das falhas que ocorreram no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), (adotado nos governos anteriores de Lula e de Dilma Rousseff). São medidas de longo prazo e o ponto de atenção será sobre a condução das ações e corrigidas se necessário”, complementa o professor da FDC.

Recursos virão do BNDES, presidido por Aloízio Mercadante, com a expectativa de captação no mercado financeiro, sem onerar as contas do governo (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Nem tudo são flores

Após anos de desempenho fraco da indústria, os programas governamentais que visam o desenvolvimento industrial têm sido louváveis e são bem-vindos para a economia brasileira, ressalta Felipe Novaes, economista e analista de Indústria da Tendências Consultoria.

Ele destaca como positivas as iniciativas para atualização dos marcos regulatórios para inovação tecnológicas e, sobretudo, para a capacitação e especialização do capital humano em atividades industriais, de tecnologia e inovação. “É uma política industrial mais horizontal em vez de focada em setores específicos e com intervenções do governo”.

No entanto, o novo plano industrial foi recebido com apreensão pelo economista. “O ponto é de que forma e com quais meios? O ponto mais crítico é saber quais mecanismos serão elencados pelo Governo Federal para gerar esses incentivos e esse fomento à indústria”.

A expectativa é de que a maior parte dos recursos seja via financiamento do BNDES, mas através de instrumentos financeiros, com emissão de Letras de Crédito do Desenvolvimento, e não drenados do Orçamento da União, “mas isso ainda não está muito claro no plano”, diz Novaes. “Eu considero o programa como uma carta de metas e aspirações, que precisa apresentar diretrizes mais claras do ponto de vista da governança, para evitar capturas e apropriações dos incentivos, e justifique esse volume de recursos públicos”.

Feldmann, professor da FIA, identifica algumas lacunas na nova política, como iniciativas que ofereçam nível de ensino elevado para formação de profissionais com capacidade de desenvolver as novas tecnologias nos diferentes setores.

Também faltou abordar iniciativas que garantam a geração de empregos, como, por exemplo, dando incentivos às grandes empresas que contratarem os serviços das pequenas e médias empresas, onde há a criação de mais vagas.

Para ele, há que se pensar, ainda, em mecanismos de proteção à indústria brasileira, mas para isso é necessário modificar a Constituição. Por ela, qualquer empresa que atue no País é considerada brasileira, assim, multinacionais com filial brasileira são favorecidas pela legislação. “Os principais fundos destinados à geração de inovação pelas empresas são usados pelas multinacionais que não precisam, e as inovações são feitas lá fora e não aqui. Isso precisa mudar”.