Brasil

Conheça os desafios de Lula nas eleições municipais

Falta de nomes fortes do PT nas capitais e grandes cidades faz o presidente se voltar para alianças com partidos aliados em costuras difíceis

Crédito: Marlene Bergamo

Boulos comemorou a indicação de Lula para ter Marta Suplicy como vice (Crédito: Marlene Bergamo)

Por Marcelo Moreira

O PT emergiu das eleições de 2022 fortalecido e ocupando a Presidência após uma disputa muito acirrada. Eleito, o presidente Lula em nenhum momento deixou de observar a perspectiva de seu terceiro mandato: o candidato derrotado por pouco, Jair Bolsonaro (PL), seria um “eterno” adversário o tempo todo, principalmente no pleito municipal deste ano. A estratégia da polarização com a extrema-direita nunca saiu da mira, mas o que Lula e seu partido não contavam era com alguns obstáculos para estabelecer campanhas e apoios viáveis para consolidar a recuperação do PT e do lulismo em boa parte das cidades.

O presidente conta, somando o PT e aliados, com um desempenho retumbante para pavimentar sua reeleição em 2026. É uma aposta arriscada: do bom desempenho em 2012, com 638 prefeituras conquistadas, o PT despencou para 183 em 2020, quando não elegeu nenhum prefeito de capital.

Não há problemas insolúveis, mas há situações em que o presidente e o PT precisão empreender mais esforços e energias para driblar conflitos com aliados.

Isso era algo até previsível, mas a realidade está batendo na porta mais cedo do que o previsto.

É o caso da relação com o PSB, do vice-presidente Geraldo Alckmin, o que antecipa embates diretos e complicados com o PT em cidades importantes do estado de São Paulo.

Egresso do PSDB, Alckmin governou os paulistas por quatro mandatos. Ainda é considerado um nome de enorme influência. Como conciliar o apoio em nível nacional e se posicionar diante de embates como o paulista?

Com o apoio declarado de Lula, fruto de um acordo firmado em 2020, o deputado Guilherme Boulos (PSOL) é o nome da esquerda para retomar a administração da maior cidade do País ­— nunca o PT havia ficado sem candidato próprio em São Paulo.

Sem muito alarde, o vice-presidente já declarou que a deputada federal Tabata Amaral, de seu partido, terá o seu apoio no primeiro turno.

PT e PSB acertaram que, em São Paulo, as campanhas dos dois partidos vão atuar de forma independente no primeiro turno. Ao menos na capital paulista essa convivência será pacífica?

O prefeito de Recife, João Campos (PSB) concorre à reeleição e aposta na boa relação com Lula para selar a aliança com o PT oferecendo a vaga de vice na chapa (Crédito:Wesley D'Almeida)

“Nunca é simples determinar até que ponto a política local sofre a influência do cenário nacional, mas as costuras políticas este ano vão exigir uma habilidade extra de Lula”, diz o cientista político Jorge Chaloub, da UFRJ.

Para ele, está longe de ser desprezível o apoio que um presidente possa oferecer já que a maioria das cidades depende bastante de verbas da União, incluindo capitais.

Chaloub também aponta as situações “diferentes”, raramente vistas anteriormente, como os campos opostos de Lula e Alckmin em São Paulo, e não só na capital. É o caso de:
Santo André,
São José do Rio Preto,
São Bernardo do Campo (esta última o berço político de Lula).

Menos espinhosa parece ser a missão de convencer o PT paulista a aceitar a refiliação de Marta Suplicy e sua indicação como vice de Boulos, um movimento pessoal de Lula à revelia da ala mais à esquerda do partido.

Com passagem pelo MDB, ela deixou as hostes petistas e votou pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016, gerando ódio eterno de muita gente. Sua refiliação soou como um ultraje.

Até mesmo o ex-marido, o deputado estadual Eduardo Suplicy, pediu a realização de prévias para a escolha, mas foi ignorado. Marta era secretária de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo e seu gesto abriu uma crise na candidatura à reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

São Paulo, Fortaleza e Recife são cidades em que o presidente tem avançado mais nessa costura.

Em Recife, o movimento é por parte do prefeito João Campos (PSB), filho do ex-governador Eduardo Campos. De olho na disputa pelo governo de Pernambuco em 2026 contra a governadora Raquel Lyra (PSDB), Campos sonha com o apoio do PT.

As resistências aqui, no entanto, são de algumas lideranças petistas por conta de resquícios da campanha de 2020. O atual prefeito concorreu com a prima, Marília Arraes, então nome em ascensão no PT, mas o diretório nacional, com endosso de Lula, queria um apoio velado a Campos. O mal-estar ainda persiste, mas analistas políticos creem que isso possa ser superado por conta do apreço de Lula em relação ao prefeito recifense.

Em Fortaleza, o problema é mais de “timing”. O PDT era um reduto dos irmãos Cid e Ciro Gomes. Ciro foi candidato a presidente em 2022 e Cid foi eleito senador. Ali se desentenderam por conta do apoio a Lula no segundo turno. Cid Gomes deixou o PDT e rumou para o PSB, que negocia uma aliança com os petistas, com vários apoiadores. O irmão Ciro, isolado, defende um PDT “independente” e firme no apoio à reeleição do prefeito José Sarto, que é do partido.

As tratativas entre PSB e PT, no entanto, foram atropeladas por Evandro Leitão, presidente da Assembleia Legislativa e recém-filiado ao PT (também era do PDT): ele anunciou que é pré-candidato. Cid esperava que ele e seu grupo fossem consultados sobre o nome e demonstrou decepção com o movimento.

Indefinições

Já o Rio é uma das capitais onde a costura é mais complicada. Na cidade há um impasse inesperado após meses de flerte. Eduardo Paes (PSD), candidato à reeleição, é um aliado antigo de Lula. O apoio do PT em 2020 foi considerado essencial para sua vitória, tanto que o partido tem quatro secretarias.

Era quase consenso que o PT indicaria o candidato a vice em 2024, só que, no final de 2023, Paes deu sinais de que isso não está garantido, a ponto de o vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, questionar a adesão do partido à sua reeleição, o que causou incômodo no Palácio do Planalto.

Paes quer um vice mais ao centro, enquanto os petistas sonham com o nome da ministra Anielle Franco, que precisaria de filiar à legenda. A indefinição permanece.

Além do Rio, outras capitais vão exigir “superpoderes” do presidente:
• Belo Horizonte, onde o PT se debate entre uma aliança com o PSB ou apoiar o deputado federal Rogério Correia;
• em Porto Alegre, onde a indicação da deputada federal petista Maria do Rosário provocou um racha no próprio partido, o que adia alianças;
e em Salvador, onde há certa insatisfação pelo anúncio dos partidos de esquerda ao nome do vice-governador, Geraldo Jr., do MDB, aliado do governador petista Jerônimo Rodrigues. A vida já foi mais fácil para Lula e o PT em seus momentos de bonança.