Editorial

A volta da ameaça Trump

Crédito:  Leah Millis/REUTERS

Carlos José Marques: "Trump e seu populismo barato, com um pendor extremista para rumos impensáveis na economia e na política, não é abatido nem pelos inúmeros julgamentos de abusos sexuais" (Crédito: Leah Millis/REUTERS)

Por Carlos José Marques

É uma realidade assustadora, concreta e sempre mais próxima: o inefável Donald Trump aumenta a cada dia suas chances de uma volta à Casa Branca para um revival de loucuras americanas que assustam o mundo. Trump, o indomável presidente, mesmo repleto de processos, apesar de ter atentado contra a democracia, desviado documentos secretos de governo, ser fichado quatro vezes, estar denunciado por ter pagado propinas e com 13 acusações de tentativa de fraude eleitoral, é o franco favorito republicano para disputar as majoritárias dos EUA neste ano. Até o atual presidente, Joe Biden, e virtual adversário na corrida reconhece e teme o embate — sabendo das reais chances de sair derrotado. As primeiras prévias no Estado de Iowa, nesta semana, deram o tamanho de seu apetite. Ele impôs uma vitória fragorosa sobre os opositores com mais da metade dos votos. O desempenho deve se repetir nos próximos escrutínios. Trump e seu populismo barato, com um pendor extremista para rumos impensáveis na economia e na política, não é abatido nem pelos inúmeros julgamentos de abusos sexuais. Não cola nele qualquer tipo de malfeito, mesmo que amplamente comprovado. Os americanos não lhe imputam sequer qualquer responsabilidade pela invasão do Capitólio. É uma espécie de Trump teflon que avança para repetir um período tenebroso à frente da maior nação do planeta. O que isso trás de consequências para o Brasil e o mundo? Muita coisa. Existem decisões estratégicas tanto no campo bélico, de arbitragem dos inúmeros conflitos em andamento, quanto no campo comercial com as relações estremecidas e queda-de-braço com a China, que virou a maior compradora e principal parceira, especialmente do mercado latino. Trump, à frente de escolhas estratégicas como essas, não é tido como o árbitro mais equilibrado. Muito pelo contrário. Pode colocar tudo a perder. O presidente Lula, por exemplo, será um dos mais prejudicados após o trabalho diplomático que fez para uma reaproximação firme com os EUA. Trump, chapa do antecessor Bolsonaro e que vê Lula como uma espécie de comunista desprezível, certamente tornará a vida do brasileiro e seus avanços no tabuleiro internacional mais difíceis. Ele já tem seu nome invalidado nas urnas de diversos estados americanos, mas segue firme na campanha. E o que é pior: os eleitores, em número crescente, atendem ao seu chamado. O dublê de empresário e político foi capaz de encorajar todos a saírem de casa e apoiarem seu nome, em meio a uma intensa onda de frio e temperaturas negativas, com o mantra “votem em mim, mesmo que morram em seguida”. Tal qual uma seita, os fanáticos adoradores seguiram as ordens do chefe.

São fenômenos dessa natureza que vêm desestabilizando a paz global. Como pré-candidato favorito para a nomeação ao cargo de homem mais poderoso da Terra, Trump será agora capaz de mudar de forma irreversível o processo civilizatório e o sistema de relações multilaterais. A medida dessa força intransponível do ex-presidente americano que tenta retomar o poder é o fato de ele ainda não estar na cadeia, apesar do rígido esquema de punições que ali prevalece. Mesmo que seja trancafiado, por incrível que pareça, ele poderá concorrer e, caso vença, se tornar o primeiro presidente americano a governar direto da cadeia. Vá entender! Mas vale tudo e Trump sabe disso. Ele vem derrotando uma a uma todas as forças institucionais, ganhando sobrevida e movimentando formidáveis interesses a seu favor. O PIB dos EUA o quer de novo na cadeira de comando. Líderes republicanos de expressão colocam sua considerável influência para fazer vingar a chapa Trump. Detê-lo, neste momento, parece impossível. Pelos compromissos ideológicos que representa, com uma personalidade ímpar e – há de se reconhecer – carismática, apesar da soberba, O ex-presidente pontifica. Os americanos terão de fazer uma escolha de Sofia (para além do filosófico) entre o atual mandatário, tido e havido como caquético e pouco atuante, contra a força avassaladora e lunática do bilionário que vende ilusões. Como suportar uma opção dessa? Os demais chefes de Estado, em quaisquer continentes, estão com os olhos voltados para essa decisão. Ao final de 2024, com o veredicto da vitória de um ou de outro – seja Biden ou Trump, numa reedição do que ocorreu há quatro anos –, os destinos internacionais serão irremediavelmente traçados. Os mais alarmistas falam em fim de um império e recomeço de uma nova era. Não há como predizer o futuro, mas ele não se mostra nada alentador caso seja conduzido pelas mãos do venerado republicano. Como lidar com esse desafio é uma incógnita que tira o sono de muitos. Será que ainda há tempo na política americana para evitar o pior? Como em um reality show, marketing e demagogia estão prevalecendo, o nacionalismo atávico de Trump está se sobrepondo e a sua singular imagem de celebridade pop do empreendedorismo e da política conquista mais e mais adeptos. Intuitivamente, os americanos avançam como cordeiros para o precipício seguindo o seu líder. E o planeta também.