Editorial

Ultrajante perseguição a um padre

Crédito: Marco Ankosqui,

Carlos José Marques: "Fato: a cretinice da pressão sem cabimento ao Padre Júlio é ainda mais abjeta diante do plantel e histórico dos seus algozes" (Crédito: Marco Ankosqui,)

Por Carlos José Marques, Diretor Editorial

Limites da decência deveriam ser estabelecidos em todos os campos sociais, mas parece que na seara política, especialmente no plano dos grupelhos que, depois de eleitos, só advogam em prol de causas próprias, esses limites nunca existiram. Ou, mesmo estabelecidos, são rompidos sem a menor vergonha. O caso da perseguição ao pároco Júlio Lancellotti em São Paulo, alvo de uma CPI por parte da Câmara dos Vereadores da capital, se enquadra dentro dessa ignomínia. Conhecido pelo seu extraordinário trabalho social na Pastoral de Rua, em favor das camadas mais pobres da população, Padre Júlio está sendo perseguido justamente pelos bons resultados da atividade que faz — sofrendo ilações absurdas, como a de ser financiado irregularmente via uma ONG que nem sequer existe. Tal qual um São Francisco de Assis, um Jesus Cristo ou uma Madre Teresa de Calcutá, Padre Júlio incomoda muita gente. Fere interesses daqueles que buscam meter cabresto sobre os mais humildes. A ala de extremistas de direita plantada entre os vereadores paulistanos, liderada por Rubinho Nunes, quer triturar a reputação do religioso. É tão destrambelhada a mobilização contra o sacerdote que não dá para entender sequer como ela teve respaldo. Vergonha desmedida. Há mais de 40 anos devotando a vida a uma ação cotidiana de resgate da dignidade, cidadania e acolhimento de carentes em situação de rua, Padre Júlio deveria merecer honrarias, prêmios e reconhecimento. Jamais injúrias e desrespeito de tais natureza. Um movimento de fiéis, conhecedores de sua obra, busca agora lançar o seu nome ao Nobel da Paz. Mas os atos de opositores seguem persistentes. Ainda na ditadura militar, o clérigo católico foi vigiado, teve relatórios sigilosos sobre a sua vida elaborados pelo extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), que lhe impingiu a marca de comunista, inimigo do sistema. Talvez, por isso mesmo, os novos detratores, defensores da ideia de que tudo pelo social é artifício da esquerda comunista, estejam animados e engajados nesse revival de acossamento ao pároco. A normalização de covardias como essa é repulsiva. Diversas vozes se levantaram contra o inquérito da Câmara, dentre elas a do presidente Lula, a do vice-presidente Geraldo Alckmin, a da ministra Simone Tebet e a do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, que destacou o valor dos esforços de Lancellotti em tempos de guerra, desigualdade e fome. Decerto, o mundo e os valores parecem trocados, virados de cabeça para baixo. Partidos, correligionários e a massa ignara de apaniguados acham a coisa mais justificável do mundo os bilhões que gastam em emendas de orçamento secreto, fundos eleitorais, benesses de toda ordem que locupletam seus ganhos, enquanto abominam qualquer socorro, venha de quem vier, aos necessitados. São capazes de tudo para frear esse resgate. Vale o clientelismo, vale o fisiologismo, o aparelhamento da máquina, o compadrio, o nepotismo — qualquer praga que afeta o serviço público brasileiro e os resultados que enchem os bolsos dessas figuras guindadas ao altar dos privilégios pela força do voto. Não é suportável apenas que benfeitores atuem corretamente para combater a miséria. Isso não! Atrapalha a colheita de votos nos currais eleitorais. O vereador Rubinho Nunes, que comanda a iniciativa de investigação na CPI, era vinculado ao MBL (Movimento Brasil Livre), uma organização política de cunho conservador, e chegou a ser acusado de fazer trabalhos privados como advogado enquanto exercia o mandato — o que é frontalmente ilegal. Fato: a cretinice da pressão sem cabimento ao Padre Júlio é ainda mais abjeta diante do plantel e histórico dos seus algozes. A caridade solidária não pode ser anulada por propósitos políticos deletérios e transgressões inaceitáveis do sentimento de Justiça, movidos por aqueles que anabolizam seus interesses e promoção em cima da boa reputação alheia. É preciso dar um basta. A desqualificação moral, o enxovalhamento gratuito, que ganham fôlego com o motor das redes sociais a apoiar extremistas têm de ser repudiados. Mais do que na hora de a sociedade acordar, enaltecer os valores cristãos e subir a régua dos seus representantes políticos. Pressioná-los numa cruzada contra intimidações indevidas. No caso, da vereança paulistana, cujo ato de guerra ao padre Júlio sinaliza demonstrações de ódio, despreparo e oportunismo latente. Deve ser mesmo falta do que fazer. Daqui a pouco vão querer crucificar o pároco, reeditando passagens bíblicas.