Brasil

Lula mira evangélicos e quer PT engajado na aproximação

De olho em 2026 e buscando recuperar o terreno perdido para o bolsonarismo, Lula determina que o PT se aproxime desse segmento religioso. O desafio será vencer a grande rejeição

Crédito: Ricardo Stuckert

Lula quer uma reunião com líderes religiosos em fevereiro, mas precisa reconquistar a confiança de todo o segmento (Crédito: Ricardo Stuckert )

Por Marcelo Moreira

RESUMO

•  PT precisa dos votos dos evangélicos para vencer as eleições municipais e de 2026
• Partido tem dificuldade de entender o grupo conservador e construir diálogo consistente
• Evangélicos são 28% do eleitorado e estão mais próximos dos bolsonaristas
• Lula recomendou esforço total a aliados na busca pelo diálogo com o segmento

De olho nas eleições municipais e, principalmente, em 2026, o PT se volta novamente para o público evangélico. O setor com características conservadoras e de comportamento refratário ao progressismo esquerdista já esteve próximo dos governos petistas, mas foi capturado pelo bolsonarismo nos últimos anos, algo que incomoda muito o presidente Lula.

Ele demonstra estar inconformado pelo fato de o seu partido encontrar barreiras quase intransponíveis em busca do apoio desse público mesmo contando com parlamentares e apoiadores que professam a fé, como o atual advogado-geral da União, Jorge Messias, e a deputada federal Benedita da Silva, ex-governadora do Rio de Janeiro.

A orientação para mirar esse segmento partiu do próprio presidente. Ele demonstrou preocupação em relação ao diálogo dos petistas com os evangélicos durante conferência eleitoral do partido, realizada em Brasília em dezembro passado.

Foi direto ao ponto: “Temos de entender os evangélicos e aprender a conversar com eles. Será que nós estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Será que nós estamos tendo competência para convencer o povo das nossas verdades?”

As queixas de Lula ressurgiram depois que uma pesquisa Datafolha entre os evangélicos, divulgada em dezembro passado, que reforçou a desconfiança das principais lideranças em relação ao PT.

Os evangélicos compõem 28% do eleitorado brasileiro, e a reprovação ao presidente nesse grupo é de 38% (entre os católicos esse índice é de 28%). É um resultado que evidencia esse distanciamento.

No geral, o governo Lula é aprovado por 38% da população, enquanto 30% consideram seu trabalho regular e outros 30% o definem como ruim ou péssimo.

Conflito de pautas

Com as luzes amarelas acesas, Lula resolveu agir. Ordenou que o PT e seu governo traçassem estratégias para iniciar uma aproximação com os evangélicos, mesmo que o projeto tenha oficialmente um escopo mais amplo de ouvir todas as denominações.

Pelo menos dois líderes do partido explicaram que o objetivo é uma “aproximação”. Por enquanto, a ideia é que haja num grande encontro em fevereiro reunindo representantes de diversos segmentos evangélicos, especialmente aqueles que não simpatizam com o governo. Será uma tarefa árdua. Parlamentares evangélicos que se mostram desconfiados afirmaram à ISTOÉ, sob a condição de anonimato, que ouviram falar da tal reunião, mas que ainda não foram comunicados.

“Ainda não surgiu nenhum convite. Se formos convidados, teremos de debater dentro da Frente Parlamentar Evangélica. Esse assunto vai e volta, mas nunca se concretiza”, reclamou um deles.

A principal queixa é de que o governo nunca se reaproxima, e quando ensaia, não cede em relação à controvérsia entre as pautas defendidas pelo grupo.

Os evangélicos:
• não abrem mão, por exemplo, da extinção de qualquer iniciativa que amplie as possibilidades da realização de abortos; • não aceitam cobrança de impostos sobre o funcionamento de templos;
• são contra a obrigatoriedade de vacinação infantil, entre outras posições.

A frente evangélica tem dois parlamentares que se revezam na presidência: Eli Borges (PL) e Silas Câmara (Republicanos).

Jorge Messias, advogado-geral da União (Crédito:Divulgação)

“Ainda não houve encontro com o segmento evangélico. Tem de ter diálogo com esse setor.”
Jorge Messias, advogado-geral da União

Esse é o problema apontado pelo sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da Arquidiocese de São Paulo e professor da PUC-SP. “O PT de vez em quando fala em aproximação com o mundo religioso, mas não vai até o fim. Anunciou isso na eleição de 2022, mas não vi progressos. Há dois anos a ‘aproximação’ chegou tarde. Agora, mais tarde ainda, com uma dificuldade maior para atingir resultados.”

Francisco Borba afirma que há uma dificuldade concreta de diálogo com os evangélicos por conta da falta de pessoas adequadas, que conheçam o assunto, para começar os debates.

“É sempre interessante quando o governo sinaliza que quer conversar, mas é preciso que o diálogo seja pragmático, e não ideológico, como forma de estabelecer uma relação de confiança. Não vejo, do lado do governo, quem possa assumir a tarefa.”

Mas há candidatos para esse papel. Embora não tenha atribuição política, o advogado-geral da União, Jorge Messias, pessoa próxima a Lula e adepto da Igreja Batista, é apontado como um nome importante para ajudar a costurar a aproximação, tanto que, nos últimos dias, deu declarações defendendo uma relação melhor com setores religiosos. “Ainda não houve encontro com o segmento evangélico. Tem de ter diálogo com esse setor, que tem grande preocupação com temas ligados à família e educação”, declarou ao jornal “O Globo”.

As lideranças evangélicas do Congresso relatam contatos constantes com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, mas ainda em situações consideradas “preliminares”. Procurado, o ministro não respondeu à solicitação da ISTOÉ para confirmar as conversas.

Em outra frente, o PT quer ampliar os estudos para entender o público religioso e estabelecer formas de aproximação, notadamente em relação aos evangélicos. A Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido e presidida por um amigo próximo de Lula, Paulo Okamotto, anunciou a criação de novo núcleo dedicado exclusivamente a estudar temas religiosos a ser incluído nos NAPPs (Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas).

Segundo ele, “precisamos dar uma atualizada no comportamento dos religiosos no Brasil, refletir sobre o que pensam e como podem se relacionar conosco”.