Comportamento

Conheça o turismo que deixa pedra sobre pedra (e algo mais)

Possibilidade de recuperar e tornar melhor os destinos vira grande ativo na escolha do roteiro de viajantes; modalidade regenerativa aumenta e ajuda a colocar o Brasil na rota mundial

Crédito: Edu Fragoso

A 230km de Campo Grande (MS), a Estância Caiman e o Instituto Onçafari promovem experiência de safári africano no meio do Pantanal; destaques são as 13 mil onças na região (Crédito: Edu Fragoso)

Por Luiz Cesar Pimentel

RESUMO

• Turismo regenerativo trouxe forte impulsão às viagens pelo Brasil
• Categoria visa a deixar um destino melhor do que o encontrado
• O foco regenerativo é no meio ambiente e no desenvolvimento sustentável local
• A ideia é a restauração dos impactos negativos causados aos ecossistemas, culturas e indivíduos durante a atividade turística
• Quatro empresas brasileiras com características regenerativas são certificadas pelo sistema B, movimento internacional de corporações com propósito.

 

O gaio, um pássaro azulado, pia insistentemente como sinal de que há um predador por perto. Dentro do veículo de safári, o guia movimenta a lanterna na escuridão para buscar um dos 300 animais que receberam coleira de monitoramento. O objetivo é avistar o terceiro maior felino do mundo, atrás de tigre e leão. A expedição não acontece na África Subsaariana, mas em uma das maiores áreas úmidas continentais do planeta, o Pantanal. Logo os turistas veem uma onça pintada, acompanhada desde o nascimento pela organização de conservação Onçafari, que, em parceria com a Estância Caiman, presta serviço de turismo conhecido como regenerativo — um dos maiores impulsionadores para que as viagens para e pelo País estejam tão em alta, superando o período pré-pandêmico.

A abordagem dessa categoria de turismo vai um passo além do sustentável, com objetivo de deixar um destino melhor do que o encontrado — o ecoturismo é caracterizado por evitar qualquer dano ao destino.

O exemplo do safári no Pantanal é bem ilustrativo. Até uma dúzia de anos era inimaginável expedição para buscar o encontro com uma das estimadas 13 mil onças que habitam a região.

A caça ao animal foi proibida somente em 1967, e nas décadas seguintes pouco foi feito para conter os prejuízos à espécie.

Até que em 2011 um piloto de corrida paulistano, Mario Haberfeld, habituado às competições (e safáris) na África teve a ideia de reproduzir a experiência por aqui. Criou a Onçafari, que, em parceria com o conservacionista Roberto Klabin, da Caiman, registra os animais, promove pesquisas e reintroduz capturados à natureza.

No turismo no Pantanal, 60% dos viajantes que buscam a integração de aventura com sustentabilidade são estrangeiros (Crédito: Keith Ladzinski/Hotel Caiman)

“O regenerativo é complemento da sustentabilidade — atua para impacto positivo no destino.”
Simone Scorsato, CEO da BLTA

Simone Scorsato, CEO da BLTA (Crédito:Divulgação)

O foco regenerativo é tanto no meio ambiente quanto no desenvolvimento sustentável local, com busca pela restauração dos impactos negativos causados aos ecossistemas, culturas e indivíduos durante a atividade turística.

Dessa forma, o hotel de praia que ganhou como melhor na categoria no ano passado, NANNAI, em Pernambuco, resolveu retribuir à comunidade ao redor de sua principal unidade, em Ipojuca (50km de Recife). Criaram o IANNAN, instituto de capacitação profissional em turismo para jovens da região.

“Com o crescimento pautado na dedicação das comunidades com as quais nos relacionamos, entendemos que precisamos extrapolar a retribuição para além das fronteiras do hotel”, diz Paulo Amaral, gerente geral do NANNAI e conselheiro no IANNAN. “Regeneramos o destino e o ambiente, certos de que essa é a transformação”, afirma a CEO da BLTA (Brazilian Luxury Travel Association), Simone Scorsato.

Em Pernambuco, hotel que ganhou prêmio de melhor praiano do País, NANNAI, criou instituto para retribuir à comunidade formando jovens em turismo (Crédito:Hotel Caiman/Divulgação)

Com o mercado reaquecido em 2023, as iniciativas regenerativas estão sendo estabelecidas em toda malha turística do País.

• Na Praia de Preá, no Ceará, a pousada Rancho do Peixe leva visitantes às fábricas artesanais de castanha de caju, cajuína e farinha de mandioca, além de ter fundado o Instituto Ser, de capacitação profissional.
• Na Bahia, em Itacaré, o hotel Barracuda seleciona projetos socioambientais de proteção e restauração das áreas verdes de Mata Atlântica e realiza atividades de limpeza das praias, praças e espaços públicos.
• Recuperação ambiental também faz parte do cardápio do Unique Garden, em Mairiporã (SP) — plano é o plantio de 30 mil espécies nativas de mata; com colaboração dos hóspedes, chegaram a 6 mil.
A Biofábrica de Corais promove a restauração das colônias em Porto de Galinhas (PE) e conta com participação ativa de turistas. É uma startup que resgatou e cultivou mais de 6 mil corais que se encontravam tombados, prestes a morrer.
E até parques temáticos investem, como o Valparaíso Adventure Park, no Maranhão, que mantém preservada reserva florestal de 7 hectares.

A influenciadora Andrea Miramontes (Crédito:Divulgação)

“Regenerar é tendência sem volta. Os negócios têm que considerar, pois é o futuro do turismo.”
Andrea Miramontes, influenciadora de viagens

Selo de qualidade

A possibilidade de oferta de experiências que unem sustentabilidade com serviço ao destino e à população local faz com que, cada vez mais, negócios de turismo busquem a certificação do Sistema B, movimento internacional de corporações com propósito.

As empresas que atendem os critérios são certificadas pelo B Lab, ONG que divulga anualmente lista com as mais positivas para o mundo.

Atualmente são cerca de 300 donas do selo no Brasil, sendo quatro de turismo. “As pessoas buscam produto na hora de viajar mas hoje buscam serviços também. O princípio B é fomentar o equilíbrio entre o lucro e o propósito”, diz Marilia Golfieri Angella, advogada especialista em negócios de impacto sócio-ambiental.

A recuperação da Biofábrica de Corais, em Porto de Galinhas (PE), conta com participação de turistas e venceu o prêmio nacional de “Turismo Sustentável”, em 2023 (Crédito:Filipe Cadena)

O Sistema B oferece ferramenta de gestão para que as empresas entendam o impacto dos próprios serviços na sociedade e meio ambiente.

Quatro que passaram pelo crivo e são certificadas no País oferecem turismo sustentável com características regenerativas.

• A Vivalá promove experiências de viagens em 20 destinos de áreas preservadas, aldeias indígenas e já disponibilizou 10 mil horas de voluntariado às comunidades para onde levam viajantes.
O Grupo Inspire oferta experiências no México, Peru, Egito e Chile sob regra de responsabilidade social e ambiental. Criaram projeto onde cada viagem destina percentual a organizações sociais que preservam o ambiente no Brasil.
O Hotel Anavilhanas, em Novo Airão (AM). estabeleceu uma série de iniciativas que promovem a qualidade de vida e a educação ambiental da comunidade local.

Brasil recupera índices pré-pandêmicos no setor

A combinação de fomento do governo, melhora na economia e dólar em alta fez com que o Brasil superasse pela primeira vez a marca de visitantes internacionais desde 2019. Em novembro recente, o País recebeu 504.395 turistas do exterior, 7% a mais que os 471.671 do mesmo mês, quatro anos antes.A entrada de divisas foi além de U$ 7 bilhões em 2023, recorde que superou o de 2014, quando o País abrigou a Copa do Mundo e os visitantes gastaram U$ 6,84 bilhões por aqui.“Seria ainda melhor se tivesse maior incentivo fiscal”, diz a influencer de turismo Andrea Miramontes. Sobre o turismo nacional, 2023 fechou com crescimento de 11,5% em relação ao ano anterior, segundo levantamento da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio/SP).

E finalizou o ano no Top 20 entre os países que recuperaram os números no setor do período pré-pandêmico, segundo ranking divulgado pela ForwardKeys, fornecedora de inteligência global sobre viagens aéreas.

(Alexandre Cassiano)