O pior exemplo

Crédito: Divulgação

Rachel Sheherazade: "As civilizações humanas só floresceram e se estabeleceram graças a convenções de normas gerais de comportamento" (Crédito: Divulgação)

Por Rachel Sheherazade

Depois de viralizar na internet com um video em que debocha de um funcionário negro acorrentado tal qual escravo, o médico goianiense Márcio Souza Junior foi condenado a pagar uma indenização de R$ 300 mil.

O video é repulsivo. Nele, o caseiro do médico tem os pés acorrentados, as mãos algemadas e traz, no pescoço, uma espécie de gargalheira, instrumento de ferro usado para aprisionar e castigar os escravos no tempo do Brasil colônia.

A defesa alegou que a cena não passava de brincadeira, sem intenção de ofender ninguém, mas o Judiciário levou a sério e o episódio foi julgado como racismo.

Há, no Brasil, um grupo grande de pessoas que tende a minimizar agressões assim, banalizando casos de racismo, incitação à violência, homofobia, assédio e denunciação caluniosa ­– quando se acusa injustamente alguém de ter cometido crime.

Autointituladas politicamente incorretas, elas criticam aquilo que chamam de excesso de sensibilidade do ofendido – o famoso “mi-mi-mi”.

Desdenham da necessidade de retratação das vítimas pelos males sofridos e alegam ser exagero a busca do ofendido por seus direitos.

Criticar o socorro à Justiça não passa de enorme desserviço, mau exemplo. As conquistas civilizatórias como o direito foram alcançadas duramente. Muitas leis custaram sangue, vidas e revoluções.

Pessoalmente, não acredito no direito universal e indefectível. Conheço muito bem a falibilidade de legisladores, juízes e juristas.

Feito à imagem e semelhança de seus criadores, o direito também é falho: pode ser omisso, punitivista, elitista, corporativo e até injusto. Não obstante, é preciso dar a Cesar o que é de Cesar e ao Direito o que de direito. As civilizações humanas só floresceram e se estabeleceram graças a convenções de normas gerais de comportamento.

Como as espécies, o direito evolui. Dos primórdios ditames de Talião aos modernos conceitos de direitos humanos, as penas também vêm passando por transformações. No direito brasileiro, um dos mais inovadores do mundo, a pena tem suas funções determinadas no artigo 59 do Código Penal: reprovação e prevenção do crime.

Não basta pagar o mal com o mal, como nos tempos do rei Hamurabi. O direito contemporâneo apregoa que é preciso ir além e ensinar ao delinquente e à sociedade que o crime praticado será devidamente punido.

Eis o caráter pedagógico da pena. Eis a lição preciosa de quem é tocado pela Justiça. Nessa lógica, a impunidade – seja pela inação da vítima, seja pela omissão do Judiciário – é o pior exemplo de todos.