Economia

Conta de luz: calor vai fazer você pagar mais; entenda

Mesmo com os reservatórios de hidrelétricas mais cheios do que o habitual, as tarifas elétricas devem ficar mais caras em 2024. Pior: o marco regulatório do setor aprovado na Câmara inclui jabutis que podem custar até R$ 40 bilhões por ano aos brasileiros

Crédito: Adriana Toffetti

Conta de luz: a bomba sempre estoura na mão dos consumidores (Crédito: Adriana Toffetti)

Por Mirela Luiz

RESUMO

• Calor extremo leva a aumento da demanda de energia.
• Mesmo com reservatórios cheios, Brasil deve acionar termelétricas, que produzem energia mais cara
• Encargos, como a CDE, também podem elevar tarifa
• Alta na conta de luz pode ser de 6,58% em média, dizem especialistas
• Uso de créditos de PIS/Cofins pelas distribuidoras talvez alivie aumento

As ondas de calor intensas que atingiram o Brasil e outros países em 2023, agravadas por um El Niño vigoroso, levaram ao aumento na demanda de energia e fizerem o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) reagir. Para prevenir um blecaute, foi preciso aumentar a capacidade das usinas. E o verão mais quente da história pode estender as medidas emergenciais, como o acionamento de termelétricas, muitas delas com produção mais cara – utilizando carvão, por exemplo. Só para se ter ideia, no acumulado em 12 meses, o consumo nacional de energia aumentou 7,5%, chegando a 527.073 GWh.

Mesmo com esse aumento, o sistema se mostrou robusto e evitou apagões. Afinal, o aumento na demanda é uma realidade que precisa ser enfrentada, mesmo com os reservatórios cheios. Beleza, só que o consumidor pode sentir no bolso o efeito dessas iniciativas, com o aumento nas contas de luz.

“Segundo os cálculos do ONS, o aumento do consumo médio brasileiro será em torno de 7,5% em 2024. Resumidamente, isso deverá causar um reajuste médio de 10% nas contas. Isso novamente vai depender de algumas variáveis e também da distribuidora, mas é o que se espera”, explica André Mafra, engenheiro eletricista e sócio co-fundador da Engehall Elétrica.

Além do calorão, dentre os itens que devem contribuir para o aumento estão os encargos, com destaque para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que está com Consulta Pública aberta para discutir o orçamento e os custos de transmissão.

A Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) estima que a alta na tarifa pode ser de 6,58% em média, dependendo das distribuidoras e do uso de crédito de PIS/Cofins para conter esse aumento. No entanto, a entidade ressalta que os ajustes individuais para cada distribuidora e nível de tensão podem divergir dessa média.

“Não adianta esperar resultados diferentes para o futuro fazendo as mesmas coisas do passado.”
André Mafra, sócio da Engehall Elétrica

“Há necessidade de aumento do back-up para garantir a segurança energética da operação elétrica do SIN (Sistema Interligado Nacional). Usualmente acionam-se as termelétricas para garantir esse suprimento. Contudo, o País precisa avançar na pauta de mecanismos de flexibilidade para gerenciar a demanda de energia durante horários de pico e períodos de altas temperaturas, de forma a garantir a estabilidade, a confiabilidade e a eficiência da rede elétrica”, argumenta Vanderlei Martins, professor de MBAs da FGV e especialista em planejamento energético.

Recentemente, a RF Soluções, empresa de tecnologia do setor, divulgou uma previsão que também aponta para a penalização do consumidor. A companhia estima que a conta de luz deve ter um aumento médio de 7,61% em 2024.

Essa projeção é baseada em avanços estimados de:
27% no Encargo de Energia de Reserva,
13% na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE),
• 15% nos custos de transmissão.

Além disso haverá redução de 12% nos créditos tributários alocados nas tarifas de energia e de 34% na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição.

Essas mudanças impactarão diretamente os consumidores. Mesmo assim, há projeções mais otimistas. A Warren Investimentos calcula um aumento de 4,7% na energia no próximo ano, levando em consideração o uso de créditos de PIS/Cofins pelas distribuidoras, para suavizar o aumento. No entanto, alguns estados já utilizaram totalmente esses créditos.

As temperaturas elevadas levaram o consumidor à procura de ventiladores e ar-condicionado, elevando o consumo de energia (Crédito:Divulgação)

O aumento nos preços pode ocorrer mesmo em um momento de bonança: os reservatórios estão com uma grande quantidade de água, o que dispensa o acionamento de muitas termelétricas, que geram uma energia mais cara.

Segundo dados do ONS, os reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável pelo fornecimento de energia hidrelétrica ao Brasil, estavam com 63,9% de sua capacidade no fim de 2023, o maior patamar dos últimos 14 anos para os meses de dezembro.

Esses números mostram uma situação favorável, o que deveria refletir em uma maior tranquilidade para o consumidor.

“De forma geral, os subsídios e as políticas públicas devem ser pensados pela sua sustentabilidade em longo prazo. Isso significa incluir o seu impacto no orçamento público e dos consumidores, bem como o tempo de permanência e retorno social da política indicada pelo governo. E toda política pública, custeada pela população por meio dos encargos setoriais, deveria ter uma avaliação e ajuste contínuo”, alerta Martins.

Subsídios e jabutis

O rombo nas contas de luz pode ser ainda maior. Recentemente foi aprovado na Câmara o marco regulatório das usinas eólicas em alto-mar, que trouxe consigo uma série de “jabutis” legislativos, que não têm nenhuma relação com energia renovável.

Um desses “jabutis” incluídos pelo relator, deputado Zé Vitor (PL), prorroga até 2050 a contratação de térmicas a carvão, cujos contratos terminam em 2028.

Essa medida vai na contramão dos esforços para promover fontes de energia mais limpas e renováveis. Além de encarecer as contas, esses “jabutis” podem resultar em privilégios para determinados geradores de energia, mas quem acabará pagando será o consumidor.

Estima-se que essas medidas possam custar até R$ 40 bilhões por ano aos brasileiros. “Sobre o marco regulatório, em minha opinião, se for aprovado também no Senado, a conta vai para o bolso do brasileiro. Pessoalmente gostaria que fossem discutidos benefícios para incentivar o uso de energias renováveis, como a instalação de microusinas fotovoltaicas nos imóveis e não sobre continuar com termoelétricas. Não adianta esperar resultados diferentes pro futuro fazendo as mesmas coisas do passado”, critica Mafra.