Cultura

Mulheres desenhistas ganham mais visibilidade

No Brasil, novos talentos despontam, mas ainda precisam lutar por maior representatividade no mercado; nos EUA e na Europa, cena de HQ já é mais equilibrada para homens e mulheres

Crédito: Nadja Kouchi

Desenhista de "Em ti me vejo", Marília Marz é um talento em ascensão: abaixo, a versão em quadrinho de Regiane e Marília (Crédito: Nadja Kouchi)

Por Eduardo Simões

No início de dezembro do ano passado, a cerimônia de premiação do 35º Troféu HQMIX, o mais importante do segmento de quadrinhos no Brasil, teve um animado discurso de agradecimento de Gabriela Borges, fundadora da Mina de HQ. Em sua fala, Gabriela comemorou o troféu pela terceira edição da revista, lançada em 2022, na categoria Publicação Independente de Grupo.

A mesma premiação também foi palco para protestos com cartazes em que se lia queixas como “uma editora, 60 autores e cinco mulheres” e “onde estão as mulheres nas publicações por editora?”. Em tempo: das 42 categorias do HQMix, apenas oito premiaram mulheres.

(Divulgação)
Na HQ Em ti me vejo, a roteirista estreante Regiane Braz fala de racismo e cabelos crespos (Crédito:Divulgação)

Ao mesmo tempo que a manifestação aponta para o desequilíbrio do mercado brasileiro, ela revela que há mais mulheres quadrinistas na cena de quadrinhos, daí a (necessária e compreensível) reclamação por mais espaço, sobretudo para além da produção independente, com uma inserção no mainstream.

Alguns lançamentos recentes da Conrad, uma das maiores referências do segmento de HQ no País, espelham bem a evolução da quadrinistas na cena nacional: Bear é de autoria de Bianca Pinheiro, autora consolidada, vencedora de diversos troféus HQMIX e ainda do Troféu APCA de Melhor Quadrinho de 2018, por Eles Estão Por Aí.

Tirinhas da americana Sarah Andersen, autora de Esquisitona, viralizam nas redes (Crédito:Eduardo Parra)

Novos talentos

Em ti me vejo é uma história em quadrinhos autobiográfica, com roteiro da estreante Regiane Braz, que se debruça sobre situações de racismo ligadas aos cabelos crespos. Os desenhos, por sua vez, são de Marília Marz, que fez sua primeira HQ, Indivisível, em 2017, como trabalho de conclusão de curso de arquitetura e urbanismo da Escola da Cidade.

Num evento de quadrinhos, dividindo mesa com a quadrinista, o editor Cassius Medauar, da Conrad, conheceu o trabalho de Marília – que discute a cultura negra e leste asiática presentes no bairro da Liberdade, em São Paulo – e o publicou em versão digital, em 2020. De lá para cá, além da nova HQ pela Conrad, desta vez impressa, Marília também foi convidada para assinar charges num dos jornais de maior circulação do país.

Para a quadrinista, de 32 anos, existe uma diferença evidente entre os quadrinhos de homens e de mulheres: a capacidade de escrever personagens femininos. “Acredito que isso vá além da mídia dos quadrinhos. Acontece em filmes e séries também”, pondera Marília. “Mas, de qualquer forma, nas HQs isso é comum também. Muitas vezes, em quadrinhos escritos por homens, os personagens femininos são secundários, sem muita profundidade ou servem apenas de suporte para o personagem masculino principal.”

De acordo com Medauar, a cena de quadrinhos brasileira não escapa de problemas de representatividade, que afetam até mesmo grandes premiações internacionais, como o Oscar, e ainda impactam muito as pessoas negras. “Temos mulheres quadrinistas há muito tempo, especialmente na Europa e no Japão, mas também nos EUA e em outras partes do mundo”, ressalta o editor. “Mas, como em todas as áreas, as mulheres precisam lutar bem mais para conseguir seu espaço. Aqui no Brasil não é diferente”.

Ainda segundo o editor, no entanto, os mercados de quadrinhos na Europa e nos EUA, por exemplo, são mais equilibrados quanto à presença de homens e mulheres quadrinistas, seja em publicações como nas premiações.

No Brasil, um dos sucessos mais longevos do universo de quadrinhos é de uma quadrinista mulher: Persépolis, lançado originalmente em 2000 pela iraniana Marjane Sartrapi. A edição completa, publicada em 2007, já teve 36 reimpressões.

Outro grande sucesso do mundo dos quadrinhos é a relativamente novata Sarah Andersen, cujo quarto livro, Esquisitona, chega às livrarias na quinta-feira 18. Sarah é um fenômeno, editorial e digital, com suas tirinhas com um quê autobiográfico, que ela começou a publicar na internet. Hoje, a quadrinista já tem mais de 4 milhões de seguidores somente no Instagram. E suas historinhas, além de viralizarem nas redes, são fartamente distribuídas em grupos de WhatsApp.