Doenças de estimação

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Mentor Neto: "Qual distração é melhor para os mais velhos do que sentar num café e conversar com os amigos sobre os medicamentos de última geração" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Hoje todo mundo tem alguma doença, já notou?

Pode ser até essas genéricas, que os médicos diagnosticam quando não sabem o que a gente tem de verdade.

Tipo virose ou, sei lá, depressão.

Aí toca tomar remédio.

Dizem que isso é um avanço da medicina.

Querem nos convencer de que, na verdade, não é que mais gente está adoecendo e sim que a medicina avançou tanto que agora é capaz de detectar doenças que não conhecíamos no passado, para a alegria das empresas farmacêuticas, planos de saúde, hospitais.

O resultado, para nós meros mortais, é que vamos morrer mais velhos, entupidos de medicamentos de última geração.

E é um ciclo que se fecha, afinal qual distração é melhor para os mais velhos do que sentar num café e conversar com os amigos sobre os medicamentos de última geração.

Remédios são o novo dominó.

Eu mesmo venho acumulando extenso conhecimento sobre doenças modernas e seus respectivos remédios.

Aprendi que a medicina cedeu ao marketing, principalmente quando o assunto é dar nome para as doenças.

Nomes tão interessantes, que dá até vontade de adquirir as ditas cujas .

Eu sei, eu sei, antes que a polícia do cancelamento venha bater nas minhas redes, reconheço que doenças são uma coisa terrível.

Jamais trataria com humor o sofrimento dos outros.

Mas preciso admitir que, com esses nomes criativos, eu até gostaria de ter algumas doenças só pelo status que representam.

Síndrome das Pernas Inquietas, por exemplo.

Acho que essa eu até tenho, porque não consigo ficar com minhas pernas paradas por muito tempo.

Estou sempre batucando com os pés uma melodia silenciosa.

Essa doença é, também, uma ótima desculpa para não viajar de classe Econômica sem parecer arrogante.

— Aí…sabe como é…só posso viajar de business… sofro de Pernas Inquietas.

Outra doença que eu queria ter: Síndrome de Tourette.

Acho chic doença com nome em francês.

Essa não sei se tenho, apesar de algumas manias.

Tive um amigo que só tinha meias brancas e marcava cada uma com um “E” ou um “D”, porque as meias tinham que ser casais de esquerda e direita.

Não chego a tanto, mas minhas 50 camisetas pretas precisam estar uma em cima da outra geometricamente posicionadas. O que não é lá muito difícil, já que são as únicas camisetas que tenho.

A Camila, minha amiga psicanalista, disse que Tourette não é tão simples, que as pessoas tem um entendimento errado da Síndrome.

Mas eu pedi para ela não explicar, para não perder a mágica.

Deixa eu ver que mais…

Não quero doença de pele, deus me livre de furúnculo ou frieira. Nojo.

Também não quero aquelas antigas, tipo tuberculose, pneumonia e hanseníase. Tem que ser doença moderna.

E nenhuma doença que termine com ite, do tipo rinite, hepatite, apendicite, cistite. Muito comuns.

Evito também doenças sazonais, tipo gripe ou bolsominingite, porque essas não têm cura.

Sociopatia eu acho bonito.

Psicopatia não.

Se você não sabe a diferença, explico: psicopatia é fazer mal para a sociedade, sem se preocupar com as consequências.

Já sociopatia é se recusar a fazer tudo de mal que a sociedade exige que você faça.

Tá. Eu sei.

A Camila provavelmente vai dizer que não é nada isso.

Mas se eu souber como é de verdade, não vou querer mais.

Ou vou ter que tomar remédios.

Apesar de que, acredito, não há remédios para sociopatia, senão seríamos todos muito mais felizes.

Esquizofrenia não quero, apesar de que deve ser bom se você for muito solitário.

Neurose me interessa. Fui até pesquisar com a Camila.

Ela contou que Freud dizia que todo mundo é meio neurótico.

Desisti.

Doença que todo mundo tem eu não quero.