A presunção de inocência

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Antonio Carlos Prado: "De onde mais se espera isonomia no tratamento social, é justamente daí que vem a promoção da desigualdade" (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

O Estado de Direito é o Estado que impõe limite a si por meio de constituições, que dão aos cidadãos as garantias fundamentais. Pela mecânica de funcionamento de regimes republicanos, o Estado de Direito também tem claras fronteiras delimitadas pelo sistema de pesos e contrapesos entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, que compõem uma engrenagem operacional na qual um Poder fiscaliza o outro, embora atuem de forma independente e harmônica. Dentro desse quadro ideal de organização política, torna-se indubitavelmente lógico o princípio de que cabe ao Estado de Direito, e somente a ele, desde que legal e legítimo, o monopólio da violência na repressão de atos antissociais.

Igualmente importante é que o Estado de Direito implica isonomia, o que pode ser traduzido pela regra de que “todos são iguais perante a lei” – a norma italiana é mais abrangente e eficaz, diz que “a lei é igual para todos”. Parece a mesma coisa, mas não é: a segunda, a da Itália, cobre de ampla proteção os indivíduos e a sociedade. Exemplifica e se impõe na prática como método sociológico de imparcialidade e equidade.

Dizia o Barão de Itararé (um dos gênios pátrios que a pátria esqueceu) que, “de onde menos se espera, daí é que não vem nada mesmo”. Para a nossa tese, isso funciona ao contrário: pode-se dizer que de onde mais se espera isonomia no tratamento social, é justamente daí que vem a promoção da desigualdade. Isso fica claro na área policial envolvendo, sobretudo, alguns membros (a extrema minoria) da Polícia Militar. Muitas vezes, apenas por meio de reconhecimento fotográfico feito a partir de carcomidos álbuns, um cidadão não militar suspeito (meramente suspeito) é preso — e, se não der sorte na audiência de custódia, mantém-se a prisão e ele é encaminhado ao sistema penitenciário onde permanecerá por meses, aguardando uma audiência de processo.

É aqui que as coisas estão desarrumadas: um policial militar quando comete crime, mesmo tendo sua pessoa filmada por câmera de segurança instalada na rua, mesmo tendo sua pessoa filmada em celulares de testemunhas, raramente é preso.

É simplesmente afastado do policiamento de rua, passa ao trabalho administrativo (remunerado), enquanto seus superiores dizem que o caso será averiguado. Averiguado em quê? Se existe a sua imagem, filmada, o que é preciso averiguar? Por que ele não é celeremente punido como o indivíduo apontado em fotos desbotadas de arquivos policiais? A alguns PMs, castigo administrativo para averiguação; ao não PM, a prisão. O que se defende, aqui, é que ambos, o fardado e o não fardado, sejam contemplados com o direito à presunção de inocência e ao devido processo legal.